A Revolução das Formigas
A Revolução das Formigas
*Franklin Maciel
Era uma vez um formigueiro que ficava no meio da floresta.
Suas formigas todos os dias acordavam bem cedoe de modo ordeiro, saiam para trabalhar. À tarde, voltavam para casa trazendo consigo os frutos do trabalho capazes de surprirem as suas necessidades sem nunca nada faltar.
Viviam em harmonia com os outros bichos e plantas da floresta, cada qual cumprindo seu papel no ciclo da vida e da cadeia alimentar.
Tudo transcorria muito bem, o equilíbrio reinava. As formiguinhas trabalhavam felizes e em suas horas de folga em família e entre amigos se confraternizavam, se divertiam, algumas até em tom de brincadeira se dispunham a cantar como as cigarras, enfim, era uma vida comunitária e feliz.
Tudo ia bem até que numa noite daquelas uma forte tempestade se abateu sobre a floresta inundando todo o lugar.
No dia seguinte, as formigas puderam dimensionar os estragos e o trabalho de um ano inteirinho foi perdido com aquela chuva.
Como não são de desanimar, as formigas foram voltando e se reorganizando para, através do trabalho e da cooperação mútua, razão do sucesso de sua vida comunitária, reconstruir tudo que havia se perdido com a forte tempestade da noite anterior. Quando já estavam marchando para o trabalho, uma voz se ergueu em meio a multidão:
Parem todos e me dêem um instante de atenção! Precisamos mudar urgentemente nossa forma de viver e trabalhar senão toda vez que cair uma tempestade nos encontraremos na mesma situação, perdendo tudo pelo que lutamos e construímos! Proponho à todos que trabalhemos uma hora por dia a mais, assim como nossos jovens, esposas e velhos nos ajudem no trabalho para que possamos acumular reservas suficientes para que não passemos mais necessidades como as de hoje!
Essas palavras produziram uma grande efeito entre as formigas que pela primeira vez puseram-se à questionar a forma como viviam até então. Foi um burburinho geral, a maior confusão. Uns contra as idéias da pequena formiga, cuja nome era Liberal, outras, mesmo sem entender direito, à favor dessas novas idéias, até que uma formiga anciã, célebre por sua sabedoria e liderança entre as formigas afim de acalmar a confusão, pediu a palavra:
Se acumular fosse a solução, não teríamos perdido todo o acumulado de um ano de trabalho com a chuva. Ao trabalharmos ainda mais do que já trabalhamos, além de não ter mais tempo para desfrutar das conquistas do trabalho e da vida em comunidade, o que será dos outros formigueiros vizinhos que retiram a matéria-prima necessária para sua sobrevivência da mesms floresta que todos nós? O que estiver sobrando para nossa mordomia, vai fazer falta para os outros, colocando em risco e desequilíbrio toda a cadeia da vida nesta floresta da qual nós formigas somos apenas um gomo da corrente e, ao final, tudo se voltará contra nós!
Bobagem! Respondeu Liberal - Só perdemos tudo porque não tinhamos planejado direito nem acumulado o bastante! Quanto à matéria-prima, olhem à nossa volta, vejam como é abundante! Por mais que a gente use nunca vai acabar, sempre vai ter mais! Quanto aos nossos vizinhos, eles que resolvam seus próprios problemas que estamos resolvendo os nossos! Vamos meus amigos, chega de dar ouvidos ao passado, sejamos modernos, sejamos liberais, deixemos os velhos com seus conselhos e seu mundo atrasado, é hora de sermos os maiorais!
E com esse discurso, Liberal convenceu a multidão de formigas que pressionaram a rainha à ceder às novas idéias, que, em homenagem ao seu idealizador, receberam o nome de liberais.
Liberal, como portador da “boa nova” acabou se tornando aos poucos uma espécie de Primeiro Ministro do formigueiro, mandando e desmando ao promover suas “reformas” e relegando a rainha ao mero poder formal sobre as formigas. Nada mais acontecia sem passar pelas mãos de Liberal, que dava a palavra final sobre tudo.
Com as reformas propostas por Liberal, o formigueiro começou a produzir cada vez mais e mais, o que obrigou Liberal e seus amigos mais próximos à transformar esse excesso de produção em mais e mais produtos novos, a grande maioria deles de necessidade duvidosa, mas que eram propagandeados e vendidos à todas as formigas como a solução definitiva à todos os problemas (problemas estes que elas não tinham antes dos produtos e das reformas) e que seriam indispensáveis para a vida no moderno formigueiro que projetavam.
O formigueiro também passou a conviver com eternas reformas que não acabavam nunca! Todas as semanas se inventavam novos viadutos, pontes, avenidas, indispensáveis para o pleno desenolvimento das inovações e tecnologias que dia após dia investavam a vida de todas as formigas.
E as novidades eram tantas e a necessidade de adquiri-las igualmente iguais por todas as formigas, que tiveram que aumentar os quartos reservados para cada formiga dentro do formigueiro para que coubessem cada vez mais as quinquilharias produzidas por liberal que precisavam ser compradas e consumidas.
Para dar conta de tantas mudanças, todos os dias árvores e mais árvores eram derrubadas pelas formigas, muitas delas centenárias, para servir de matéria-prima para as novas avenidas, praças, reformas e todas as quinquilharias que eram produzidas pelos liberais. E assim, pouco a pouco, a floresta foi desaparecendo, afetando a vida de todos os outros animais.
Os primeiros a sentir o peso das mudanças das formigas liberais foram as formigas dos formigueiros vizinhos. Como as formigas liberais começaram a trabalhar muito além do normal, além de aprenderem à ser polivalentes, fazendo diversas coisas ao mesmo tempo, sem descansar ou para para refletir jamais, acabaram deixando sem trabalho as formigas vizinhas , uma vez que as formigas liberais foram tomando posse de tudo á sua volta, não dando oportunidades às demais formigas de obterem seu sustento uma vez que tudo agora era de propriedade das formigas liberais que não aceitavam dividir nada com ninguém.
Os demais bichos da floresta, assim como as plantas também começaram à sofrer, tendo prejudicada a sua sobrevivência em função da “revolução” das liberais.
Os pássaros já não tinham tantas árvores para fazer os seus ninhos nem colher os seus frutos; os macacos não podiam mais pular de galho em galho porque a distância de uma árvore à outra era cada vez maior; até a onça, a rainha de toda a floresta, já não tinha mais como andar sossegada pela floresta sem ser vista nem bichos para caçar e comer, uma vez que todos os bichos aos poucos, por força da necessidade e da escassez de alimentos cada vez maiores, tinham que migrar cada vez mais longe da floresta original em busca da sobrevivência.
A tensão externa criada pelas formigas liberais em sua forma predatória e irresponsável de explorar a floresta era tanta que muitos bichos tentaram se rebelar contra as formigas como ato desesperado pela sobrevivência e pela volta do equilíbrio na floresta, mas precavidas e espertas, as formigas liberais trataram de formar paralela às suas reformas, um exército de formigas-soldado que repeliam de forma violenta e arbitrária qualquer manifestação contrária aos interesses liberais praticados pelo formigueiro. O caso mais notável foi o de uma onça que revoltada, quis se indispor e acabou devorada pelas formigas, tendo depois seu crânio devidamente colocado à entrada do formigueiro com a intenção de intimidar qualquer outro bicho que se rebelasse contra o projeto liberal das formigas.
Apesar de toda a mordomia conquistada com a aquisição diária de produtos inúteis, muitas formigas dentro do próprio formigueiro não estavam felizes. Trabalhavam tanto que nunca tinham tempo para usufruir dos tais benefícios da tal vida moderna e irreversível prometida de forma tão entusiasta pela propaganda das formigas liberais. Na verdade começaram a não ver muito sentido em trabalhar tanto e viver atoladas em dívidas cada vez maiores, mas como não tinham muito tempo para pensar, foram aceitando tudo como se fossem coisas naturais e se acostumando a serem cada vez mais infelizes.
E assim, nesse ritmo desenfreado, pouco a pouco, a floresta inteira foi desaparecendo e se transformando em reformas e mais reformas dentro do formigueiro até que um dia, ao levantarem para o trabalho as formigas constataram que toda a floresta tinha desaparecido, que não tinha mais nada vivo sobre o solo ao seu redor, que não tinham mais nada, além de terra e mais terra ao seu redor.
E a fome começou a bater às suas portas. Olhavam para aquele monte de coisas que haviam adquirido todos aqueles anos e que foram matéria-prima da natureza e nada daquilo tinha mais serventia alguma, tudo tinha virado lixo, não dava para comer.
Então começaram a comer umas às outras. E pouco a pouco, como havia sido sabiamente profetizado pela formiga anciã, pela ganância de alguns, toda a cadeia da vida se rompeu, e assim o formigueiro tão soberbo e luxuoso foi desaparecendo até que a útlima formiga comeu a penúltima e acabou morrendo de fome.
Uma cigarra que por lá sobrevoava, cantou sobre o formigueiro extinto e deixou cair uma semente. Esta semente cresceu, cresceu e foi se espalhando até que a vida resolveu voltar àquele lugar e a bela floresta de outrora renasceu.
Franklin Maciel
Este texto é parte integrante do livro “O Encantador de Histórias” de Franklin Maciel com lançamento previsto para 1º semestre de 2010
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