Uma Droga de Escola
A Escola dos Pássaros
Após viver anos sob a tirania das aves de rapina, o Reino das Aves, teve suas primeiras eleições democráticas.
Apresentaram-se como candidatos o pardal, o tucano e o pavão. Apesar de serem ampla maioria, os pardais perderam as eleições para os tucanos que, muito bons de bico, convenceram a maioria de serem os mais preparados, prometendo um novo reino onde todas as aves seriam iguais.
Mas como tornar um reino onde todos tem habilidades e formas tão distintas num mundo onde todos são iguais? Como tornar igual o canário, o papagaio e o avestruz? Foi então que o tucano-mor deu a resposta: - Através da Educação! E assim todos os filhotes de todas as espécies foram enviados para escola para dar início à grande revolução educacional.
Na escola, todos os filhotes de todas as aves aprendiam lições de como serem iguais aprendendo à fazer tudo igualzinho ao que um tucano faz.
O canarinho, o beija-flor, o pardal e tantos outros passarinhos, por mais que se esforçassem, nunca conseguiam ser iguais à um tucano, entretanto, os tucaninhos de nascimento eram demais! Pareciam já terem nascido com dons naturais, seres super-dotados!! Todo aprendizado para eles era muito mais fácil, sabiam ser iguais à tucanos como nenhuma outra ave, eram os maiorais, aqueles que seguramente, devido à sua excelência e prodígios naturais estavam fadados à ocupar por seus méritos, os mais altos postos na hierarquia social do Reino das Aves. Já os demais, a cada fracasso na tentativa de suprimirem suas aptidões naturais para se tornarem iguais à partir dos valores e modus vivendi tucanos apreendidos na escola como ideais, mais e mais desanimavam com a escola, sentiam-se incapazes, impotentes, condenados à serem aves de segunda categoria, a ocupar por suas próprias incompetências e inaptidões pessoais (e não do sistema de ensino) posições menos relevantes dentro da hierarquia social do Reino das Aves, graças a sua total incapacidade de aproveitar as oportunidades oferecidas de maneira universal à todas as aves por meio do acesso à educação e por elas, contantemente desperdiçadas.
O canarinho tentou algumas vezes cantar, mas foi duramente repreendido pelos professores, afinal tucano não canta, portanto, o dom de cantar não estaria entre as aptidões necessárias para ser um pássaro igual; o João de Barro quis fazer uma casinha de barro, mas foi reprimido porque construir não era coisa de tucano. Assim aconteceu com a sabiá, com o papagaio, com a andorinha, e tantos outros que tinham habilidades e hábitos diferentes das de um tucano. Só se deu bem na história o chupim, pois roubava os testes das provas e, na malandragem, acertava tudo.
Desinteressados, pressionados, os pássaros da escola não sabiam mais o que fazer para conter a angústia e a raiva por tantos fracassos e frustrações, foi quando uma raposa que à tudo de longe observava, resolveu se aproximar dum pequeno grupo de passarinhos e lhes fazer uma proposta:
Ora, ora, pra que tanto desânimo? Tão jovens, vamos curtir a vida, experimentem um gole desta água divina que a alegria vai voltar de novo.
Mas que água é essa, perguntou o beija-flor.
É água que passarinho não bebe! Deram-lhe esse nome para que vocês tivessem medo de descobrir as maravilhas que ela faz.
Meio desconfiados, os passarinhos, acabaram provando da tal água e... Gostaram!
Sob o efeito da água, toda aquela angústia de se sentirem deslocados sumiu! Bebiam da água e em suas cabeças voavam mais alto e eram mais “iguais” que qualquer tucano! Outras vezes nem se importavam mais em tentar ser iguais, bastavam em seu estado ébrio serem eles mesmos em seus desejos mais instintivos.
Podiam chorar, rir, contar piadas, vencer a timidez.
A água era realmente fantástica, pena que o efeito durava pouco, o que os fazia beber cada vez mais.
O problema é que a tal água que de início foi dada de graça, agora passou a ser cobrada, na mesma medida em que tomar a água de contentamento foi se transformando numa necessidade. Os passarinhos não mais conseguiam fazer nada sem tomar um gole d'água e precisavam beber cada vez mais para se suportarem como passarinhos. Então muitos passarinhos abandonaram a escola para trabalhar em qualquer coisa que lhes desse algum dinheiro, outros passaram à roubar, trapacear, enfim, buscaram todos os meios para ter recursos afim de ter um pouco de prazer e alívio através da água, que depois virou erva e por fim virou pó e pedra.
Alguns desses passarinhos ficaram tão viciados, que começaram à cometer toda sorte de delitos para obter a água e seu derivados, o que justificou aos olhos de toda a população do reino, o uso da força e da intimidação proposto pelos mais rígidos tucanos, para recolocar as coisas em ordem o reino. Assim, construiram gaiolas e mais gaiolas nas quais amontoavam os passarinhos arroaceiros que não se adequavam ao sistema, assim como criaram todo um sistema de vigilância sob o comportamento de todos, valendo-se de pássaros guardas munidos de ameaçadores estilingues, que não pensavam duas vezes em usar, com a anuência de toda a população assustada com o aumento da insubordinação pública dos passarinhos excluídos.
Na escola, tudo continuava da mesma forma, só a pressão por resultados aumentava mais e mais. Tinham todos de aprender a como ser tucanos na marra, custasse o custasse, fizessem reforço, recuperação, usassem bicos postiços, não importa, tinham todos, de um jeito ou de outro, que se tornar tucaninhos. Até que um dia, um passarinho resolveu criar coragem e cantar. E fizeram de tudo para fazê-lo parar de cantar, mas o passarinho intrépido, continuava à cantar e a incentivar outros passarinhos à também cantar.
E voava pelo ar fazendo piruetas de um jeito que nenhum tucano sabia voar. Os tucanos não sabiam mais o que fazer para parar o passarinho, tentaram fazê-lo morrer de fome, usavam estilingues para derrubá-lo em pleno ar, mas o passarinho era muito ligeiro, sagaz, mas um dia, de tanto insistirem, conseguiram abatê-lo.
O passarinho caiu e toda a comunidade de pássaros foi ter à sua volta. Foi quando alguns perceberam que pareciam muito mais com o passarinho do que com os tucanos e tirando as anilhas também começaram à cantar.
O beija-flor, que não cantava, bateu suas asas mais rápido que qualquer tucano podia sequer imaginar; o falcão voou mais veloz e alto que qualquer tucano podia sonhar em voar e assim, cada ave do reino foi redescobrindo seus valores e hábitos e então entenderam que eram iguais enquanto aves, mas que nenhuma ave era melhor ou igual à outra, que todas tinham suas qualidades e particularidades e que nenhuma delas se sobrepunham em valor e mérito sobre as outras, que essas qualidades recém redescobertas eram fundamentais para seu jeito de ser e de viver, então se juntaram e decidiram fechar a “escola de igualdades” inaugurada pelos tucanos e criaram uma escola para todas as potencialidades.
Deste dia em diante, os passarinhos não precisaram mais tomar da água para poder voar e cantar, porque descobriram que tinham asas e sabiam todos voar.
Franklin Maciel
In “Uma Droga de Escola – O Impacto do Ambiente Escolar no consumo de drogas por adolescentes da rede de ensino de São José dos Campos” Pesquisa à ser divulgada em Dezembro de 2009
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