A Crise passou ?

A economia mundial começa a dar sinais de recuperação?

A economia mundial começa a dar sinais de recuperação?Adriano Benayon

Não creio nisto. O colapso é estrutural. Dado que os governos dos países afetados, inclusive os hegemônicos, são totalmente controlados pelas dinastias de grandes banqueiros e da família real britânica, associada a esses banqueiros. Os pretensos remédios das políticas governamentais fazem agravar as dificuldades da economia, em vez de atenuá-las.
Esses governos têm lançado o equivalente a dezenas de trilhões de dólares, mas o potencial de rombos causados pelos derivativos mal lastreados nos créditos finais (títulos tóxicos) são um grande múltiplo daquelas dezenas de trilhões. Muitos estão por surgir novamente e fazer afundar os balanços dos bancos. O dinheiro que o governo fornece a eles não está indo para a economia produtiva. Os bancos o têm aplicado nos próprios títulos públicos e em especulações nas bolsas de ações e de mercadorias, infl ando novas bolhas que vão estourar em breve. A alta das ações e de algumas commodities resulta disso. São estes os falsos sinais positivos, enquanto que a produção, o comércio exterior e sobretudo o emprego desabam. São 9 milhões de pessoas que perderam o emprego nos EUA em pouco mais de dois anos.
Fábio Bueno
A maioria das interpretações que enxergam sinais de melhoria na economia mundial parte da constatação de que o ritmo de queda em muitos indicadores começou a diminuir. Ou seja, ainda presenciamos a contração da economia mundial, só que cada vez menos. Daí a visão de que o pior já teria passado, de que já teríamos chegado ao fundo do poço e agora seria o momento para sair dele. É interessante notar que os partidários dessa visão, principalmente as instituições multilaterais que divulgaram relatórios sobre a crise entre junho e julho (FMI, Banco Mundial etc.), defendem que a economia mundial iniciará sua recuperação a partir do segundo semestre de 2010, sendo que esta se caracterizará por ser extremamente lenta, ou seja, uma predição de um período de baixíssimo crescimento mundial, muito diferente do ciclo de 2003-2008, principalmente para as economias do centro capitalista, agrupadas no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Para os ideólogos da burguesia, a coordenação internacional de políticas econômicas de salvação, movimentando um montante de recursos nunca visto, está mostrando-se um sucesso. Ainda é cedo para um prognóstico otimista de superação da crise diante das contrações observadas na produção industrial, no comércio exterior, no nível de emprego e nas taxas de investimento internacionais. A teoria marxista mostra que as crises são necessárias para o capitalismo, pois só ao desvalorizar parte do estoque de capital e aumentar a exploração da força de trabalho seria possível uma retomada na elevação da taxa de lucro e na velocidade da acumulação de capital.
Dado que uma das características dessa crise é a tentativa desesperada da burguesia em evitar a desvalorização de capital (o Bear Sterns foi o único grande bloco de capital a efetivamente quebrar, pois a GM teve suas partes absorvidas por outras empresas, e os títulos e derivativos “tóxicos” que constam nos ativos dos bancos internacionais ainda não foram dados como perdidos), seu sucesso parcial agora só recoloca em um curto espaço de tempo a necessidade de uma nova crise, na qual se somarão, ao estoque atual de capital, novos montantes advindos do aumento da exploração do trabalho.
José Carlos de Assis
Acredito que não. O que chamam de “green shoots” (brotos verdes) são ainda verdes demais para caracterizar uma tendência. Há alguns sinais nos EUA de estabilização no fundo do poço este ano. Mas a recuperação no ano que vem ainda está indefinida. Sem firme recuperação lá, que adotou um forte programa de estímulo, é improvável uma recuperação na Europa, cujos países fizeram programas de estímulo bem mais modestos, exceto a Grã-Bretanha.
As economias exportadoras da Ásia, por sua vez, sofrem o impacto do colapso do comércio internacional (11% este ano), o que põe sua recuperação na dependência da recuperação norteamericana e europeia. A exceção são China e Índia. Ambas conseguem manter este ano um forte crescimento (8% e 6%, respectivamente), mas por razões que a imprensa internacional conservadora costuma omitir: são economias centralmente planejadas e com sistemas bancários sob controle direto público. Os bancos transmitem rapidamente para a economia os estímulos fiscais, ao contrário do “empoçamento” do crédito privado observado nos países ocidentais, inclusive no Brasil.
Leda Paulani
Essa pergunta é difícil de responder porque essa crise possui fatores inéditos historicamente, particularmente a existência de novos produtos financeiros cujos desdobramentos ainda são desconhecidos. A profundidade da crise no chamado lado real da economia ainda não pode ser definida com precisão. Mas é certamente prematuro dizer que a crise foi superada e que tudo foi solucionado. Lembro que no dia seguinte da quebra da AIG, maior seguradora do mundo, o executivo-chefe disse que ele levaria pelo menos 10 anos para desembaraçar de maneira ordenada todo complexo de operações financeiras em que a seguradora estava envolvida. Se uma pessoa que está dentro do mundo financeiro diz isso, então, de uma certa forma, é um mundo desconhecido.
Portanto, é prematuro dizer que a crise foi superada. Por outro lado, ainda que isso seja verdade, a forma como o capitalismo vem operando continua do mesmo jeito. Houve uma grande transformação institucional no capitalismo ao longo dos anos de 1970 e 1980 que fez com que ele passasse a atuar de uma maneira que alguns autores chamam de financeirizada. Ainda que superada essa crise, isso não quer dizer que não haverá outras; pelo contrário, esse capitalismo está mais sujeito à crise do que normalmente já estaria por sua própria natureza.
Sérgio Lessa
Devemos primeiro compreender o que é “essa crise” para podermos dar sentido à pergunta. A crise “do último outubro” é o prolongamento da crise estrutural do capital que se iniciou ao redor dos anos de 1970. Naquele ano, a reprodução do sistema do capital (que inclui não apenas os países capitalistas ocidentais clássicos, mas também a periferia e os países que expropriam os trabalhadores pela mediação do Estado, como a ex-URSS, a China atual etc.) entrou em um novo patamar de contradições.
Fundamentalmente por dois motivos: 1) a escala da abundância impede que crises cíclicas e pontuais resolvam momentaneamente as crises de superprodução, como no passado; e 2) a ausência da classe operária como antagonista do capital por mais de 40 anos – e em escala internacional – deixou abertas possibilidades ao capital que, historicamente, estariam vetadas não fosse essa momentânea (ainda que por décadas) paralisia do proletariado.
O neoliberalismo é o resultado da confl uência dessas duas tendências de fundo. E, tal como foi predito por pensadores como Mészáros, Mandel, entre outros, o neoliberalismo pôde deslocar as contradições do sistema por mais algum tempo ao preço de agravá-las a cada dia. O último outubro é o resultado desses desequilíbrios crescentes alimentados pelas contradições de fundo que mencionamos. Assim, o que podemos dizer é que não há a iminência da quebra dos bancos e da paralisia da produção para os próximos dias ou semanas – perspectiva muito real em outubro ou novembro passados, mas como os fundamentos da crise sequer foram tocados, ela está longe de ter sido superada.

Adriano Benayon é economista e foi professor da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto Rio Branco.
Fábio Bueno é economista e militante da Consulta Popular.
José Carlos de Assis é engenheiro de formação e presidente do Instituto Desemprego Zero.
Leda Paulani é professora do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo (USP).
Sérgio Lessa é professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

Fonte: Jornal Brasil de Fato - http://www.brasildefato.com.br/

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