A Lenda do Morcego
A Lenda do Morcego
*Franklin Maciel
O Tempo ;
- O grande transformador do mundo -
Metamorfoseando , tal borboleta ,
meias-verdades e até mentiras ,
em verdades incontestáveis ,
que nem sequer padeçam .
E é no rastro de uma dessas meias-verdades ,
Que o Tempo faz verdadeiras ,
Que vou contar a vera história de Eros ,
Deus do amor , e sua cegueira :
Eros nunca foi cego , e isso é um ledo engano ,
Pois , quando une incertos às suas incertezas ,
Através de sua vital pontaria ,
Nunca erra o alvo ,
Por mais absurdo que pareça ;
É que poucas vezes parecemos o que somos ,
E enganamos tão bem , que somos os primeiros a acreditar na fantasia .
Mas Eros é sábio , e valente em seu intento
Então une , através de sua flecha , que mais parece um laço ,
Dois corações feitos em pedaços
E que , agora , batem na mesma alegria ,
Pois se encontraram ;
Como vêem , Eros não é cego ,
Nem , tampouco , louco ou desvairado .
Agora vou contar a velha história esquecida
Que criou o mito em torno de sua cegueira :
“ Longe vai o tempo , (tempo em que o sentimento conhecido por amor , nem esse nome tinha ) ;
Tempo tão distante que esquecemos
( Dizem os antigos , que esse esquecido nome do Amor é Deus , mais isso fica para outra vez ) ,
Em que Eros e seu arco perfumavam a terra de amor arrebatado ,
Sempre acompanhado por gaivotas, que faziam da liberdade das asas ,
O prazer de ver brotar a vida , nas sementes escolhidas ;
Tinha especial carinho à todas , porém , uma avezinha miudinha ,
Alva como a verdade e peralta como a beleza ,
Lhe inspirava singular apreço , e resolveu batizá-la de Amor ;
Amor , intrépida ave , tão pequenina perante as demais ,
Mas dum coração maior que o mundo ,
Se embriagava de paixão pela humanidade
E , em todas as aventuras, à Eros acompanhava ...
E ia com as setas até os corações afortunados ,
afim de evitar que algum desvio , por ventura ,
perturbasse a ordem da natureza .
E ficava tão feliz com a felicidade que reinava ,
Que até a Terra com Amor sorria , e floria ,
Dando início ao que hoje chamamos Primavera ;
Contudo , a Terra é bola , e gira , e roda ,
E o que hoje está por cima ,
Amanhã pode estar por baixo ;
Momentos em que o certo parece errado
E o errado soa como certo ,
Momentos em que a felicidade
Dá lugar ao ódio que , por sua vez , nada mais é ,
Que amor doentio , louco e não correspondido .
E o mundo se torna medonho , vil e sem graça ;
Momentos como o Inverno , que seca as folhas
Para que a Terra descanse
Para logo despertar em novas primaveras ;
Tudo um pouco doloroso , mas necessário ,
Tal as flores , suaves nas pétalas
E implacáveis no espinho .
Amor porém , nada disso compreendia ,
E sofria
Ia voando e vendo a alegria a cada dia se acabando
E , em seu lugar brotando ,
O ódio , a intolerância , a mesquinharia
As moedas inspiravam mais prazer que beijos ,
Os olhares de contemplação , transbordavam , agora , de inveja ,
E ,os abraços que traziam alento ,
A sombra dum punhal estampavam ;
Diante de tanta dor e desalento ,
Num momento de súbito desespero e desesperança ,
Amor , a bela ave branca ,
Seus dois olhos espetou , nos ramos de uma roseira ;
Agora cega , triste , sem rumo ,
Perdeu-se do bando de Eros
E passou a voar sozinha pelo vale das sombras .
A chuva , o vento , a noite e a amargura , foram ,
De pouco em pouco ,
Transformando sua alvura ,
Num negrume que dá medo ;
Suas asas tornaram-se aladas garras ,
Seu bico , presas mortais como as das bestas ,
E seu coração , outrora recheado de bondade ,
Alimenta-se do sangue de vítimas indefesas ;
Hoje , vive em cavernas ,
Com medo de ser , o que um dia amou ,
Como nós , que vivemos sob máscaras , sem saber o que somos
E se um dia amamos .
Cegos , como o morcego ,
de Amor , cegos ,
Contudo , basta-nos abrir os olhos
E deixar que a claridade faça o resto .
Franklin Maciel
Comentários