Monteiro Lobato e o presidente negro
O presidente negro
Romance premonitório de Monteiro Lobato, de 1926, foi acusado de racismo
Já estou em Ouro Preto, aguardando o início do Fórum das Letras, daqui a pouquinho. Num primeiro passeio pela cidade, cheia de ladeiras e História, me peguei pensando na eleição do Barack Obama, algo inimaginável uma geração atrás. E ainda mais inconcebível na época em que Monteiro Lobato publicou seu livro O presidente negro e o choque das raças - inicialmente na forma de folhetim, nas páginas do jornal carioca A Manhã, em… 1926! O subtítulo era “Romance americano do ano 2228″, ou seja, Lobato errou em 220 anos, mas só a idéia de a América ter um presidente negro já bastaria então para classificar a obra no gênero ficção científica. O livro foi relançado recentemente pela editora Globo (212 pgs. R$28).
O narrador é Ayrton, funcionário da empresa paulista Sá, Pato & Cia. Após um acidente de carro, ele conhece Jane, filha do professor Benson, inventor do porviroscópio - um aparelho que permite prever o futuro. Assim ele fica sabendo da eleição do 88.° presidente americano. Três candidatos disputam o cargo: o negro Jim Roy, a feminista Evelyn Astor e o presidente Kerlog, candidato à reeleição. A diviisão da sociedade branca em partido masculino e feminino leva à eleição do candidato negro.
Mas a história não termina aí: os brancos engendram um plano diabólico: a esterilização dos indivíduos de raça negra, camuflada num processo de… alisamento de cabelos (!). Isso muito antes de inventarem a chapinha, o alisamento japonês etc.
“Desde já asseguro uma coisa: sairá novela única no gênero. Ninguém lhe dará nenhuma importância no momento, julgando-a pura obra da imaginação fantasista. Mas um dia a humanidade se assanhará diante das previsões do escritor, e os cientistas quebrarão a cabeça no estudo de um caso, único no mundo, de profecia integral e rigorosa até os mínimos detalhes”, escreveu Monteiro Lobato. Premonitoriamente, ele imaginou um futuro onde os jornais não são lidos no seu formato tradicional, em papel, mas em monitores luminosos existentes em cada casa. E onde um tipo de radiotransmissão de dados possibilitam realizar tarefas sem a necessidade de se deslocar para o trabalho.
Lobato acertou na evolução da ciência e no episódio da política, mas foi infeliz na análise social. O presidente negro foi gestado em apenas três semanas, como uma espécie de cartão de visitas de Monteiro Lobato ao mercado editorial americano, pelo qual esperava ganhar “um saco de dólares”. Nomeado adido comercial no consulado brasileiro em Nova York, ele explicou o livro em carta ao amigo Godofredo Rangel: “Acontecem coisas tremendas, mas vence por fim a inteligência do branco”. Na mesma carta, Lobato, que não era exatamente bonito, diz que a miscigenação criara uma classe de “corcundas de Notre Dame” nos subúrbios do Rio de Janeiro.
Lobato era coerente com as idéias em voga no seu tempo, e o livro combina a crítica social de H.G. Wells com as teses sobre superioridade racial degeneração e eugenia defendidas por Gustave Le Bon e muito populares na época. Naturalmente, o escritor pode ser hoje acusado de racismo e de fazer uma defesa da eugenia, por argumentar, através da boca de seus personagens, em defesa de uma sociedade saudável, homogênea e ordeira, sem deficientes etc. Mas racista, na verdade, era a época em que ele vivia - da mesma forma, aliás, que era escravagista a época de José de Alencar, hoje cruficificado por defender a escravidão em meados do século XIX, quando não fazia mais que dar voz ao pensamento dominante de seu tempo.
De qualquer forma, o livro não agradou, como o próprio autor escreve, em nova carta a Godofredo Rangel: “Meu romance não encontra editor. (…) Acham-no ofensivo à dignidade americana. (…) Errei vindo cá tão verde. Devia ter vindo no tempo em que eles linchavam os negros.”
Fonte:http://colunas.g1.com.br/maquinadeescrever/
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