Nova Crise Econômica: Novo 1929 ou Novo Japão?

Costas Lapavitsas é um economista da Escola de Estudos Orientais e Africanos em Londres. Publicou vários ensaios e textos sobre a teoria marxista na área financeira. Em entrevista a Socialist Review (abril de 2008) respondeu a perguntas sobre paralelos históricos da crise econômica atual e seu impacto.

Muitos analistas econômicos estão comparando a crise econômica atual à que se abateu sobre o Japão no final dos anos 1980, que levou a uma estagnação econômica que durou 15 anos. Até onde vão as semelhanças?

Existem algumas semelhanças claras. Primeiro, a bolha que está agora estourando na economia dos EUA está na propriedade. Foi o mesmo no Japão. Muito da especulação que levou à crise do final dos anos 1980 no Japão estava relacionada à moradia e a propriedade comercial.

Uma segunda semelhança é a dívida incobrável acumulada no sistema bancário. Isto trouxe dificuldades sérias aos bancos nas suas operações cotidianas e à sua capacidade de ampliar o crédito. A crise nos EUA está ainda em suas primeiras fases. Não obstante, é óbvio que os bancos estão recuando em termos de fazer empréstimos e gerar créditos. Se isso continuar haverá repercussões negativas sérias no resto da economia. A dificuldade em oferecer crédito foi também um fator chave que levou à paralisia da economia japonesa.

Uma terceira semelhança poderia ser um declínio no consumo individual. Obviamente as duas economias começam de pontos muito diferentes. A classe trabalhadora e a população dos EUA, de maneira mais geral, têm gastado mais do que permitem seus recursos durante os últimos anos, endividando-se bastante. No Japão dos anos 1980 não foi tanto assim. Mas após a crise os japoneses foram forçados a reduzir significativamente o consumo, e algo semelhante parece estar acontecendo nos EUA. Isso pode fazer a situação econômica geral ficar muito mais apertada.

E quanto às diferenças entre o Japão e os EUA?

Uma diferença chave é o simples fato de que o desastre japonês já aconteceu. Isto permite à classe governante norte-americana aprender da experiência do Japão. Eles passaram de dez a quinze anos falando que os japoneses eram inúteis em termos de política, mas agora acham que as respostas japonesas são repletas de lições.

Mais significativamente, em termos da economia, a crise de habitação no Japão não começou com a inadimplência dos devedores, resultando na perda de suas casas. No Japão as companhias de hipoteca faliram porque haviam tomado muitos empréstimos e especulado enormemente. As pessoas comuns continuaram a pagar as suas hipotecas, e freqüentemente continuaram a pagar mesmo após o preço de suas casas terem caído dramaticamente.

Essencialmente os japoneses continuaram pagando dinheiro ao sistema financeiro em vão, uma vez que tinham um enorme patrimônio negativo enorme em suas casas. Mas o fato de que eles continuaram a pagar as suas hipotecas permitiu aos bancos continuar operacionais. Nos EUA um grande número de pessoas não estão pagando de pagar e estão a ponto de perder suas casas. Isto torna a crise muito mais severa. Não só economicamente, mas socialmente.

Outra diferença é que a crise imobiliária japonesa foi acompanhada por um colapso do mercado de ações - um declínio agudo e inexorável nos preços das ações. O efeito combinado de declínio do mercado de ações e o estouro da bolha imobiliária debilitou os bancos por muito tempo.

Talvez a diferença mais importante entre os EUA e o Japão, entretanto, seja a atitude em relação às grandes companhias em dificuldades. Nos EUA, menos de um ano desde o início da crise, já se permitiu que uma grande empresa como a Bear Sterns, então quinto maior banco de investimentos do país, afundasse. No Japão o governo foi muito mais relutante em permitir tal coisa. Historicamente, o capitalismo japonês tem se mostrado pouco disposto a permitir bancarrotas de grandes empresas. Durante a crise toleraram políticas deficitárias por muito tempo. As coisas são diferentes para as companhias japonesas nos dias de hoje, e tem se permitido falências de companhias financeiras. Mas no início dos anos 1990 permitiu-se o acúmulo de dívidas incobráveis que acabaram se transformando em uma chaga dolorida. O capitalismo estadunidense parece menos preocupado com os efeitos localizados das falências de empresas e mais preparados para encorajar falências repentinas, até mesmo de grandes corporações.

Efetivamente, a Bear Sterns deixou de existir, instigado pelo Banco Central norte-americano. A JP Morgan adquiriu sua carteira de empréstimos por muito pouco, ao mesmo tempo em que tirou proveito de um empréstimo de 30 bilhões de dólares do Federal Reserve (Banco Central dos EUA). A sede da Bears Sterns é um arranha-céu em Nova Iorque que por si só vale muitas vezes a oferta inicial feita pela JP Morgan por todo o banco falido. É um caso clássico em que uma empresa entra em falência e a concorrência é capaz de abocanhar as melhores porções a preço de banana. Mas parece que eles exageraram na cobiça e talvez terão que elevar um pouco a oferta.

No intervalo de uma semana a Bear Sterns afundou em uma crise que durou sete meses. Fatos semelhantes demoraram anos para acontecer no Japão. As pessoas sabiam que grandes empresas e bancos grandes estavam em dificuldades, mas estas só começaram a quebrar no final dos anos 1990.

Freqüentemente as pessoas falam sobre os problemas do Japão em termos puramente econômicos. Qual foi o impacto social?

A crise japonesa durou bem mais que uma década e seu desenvolvimento foi lento. O impacto foi visível em vários níveis. O desemprego aumentou. Pela primeira vez eram vistos sem tetos em Tóquio, pessoas que dormiam nas estações de trem e outras se suicidando por desespero.

Mas isso era apenas a ponta do iceberg. Quando tais fenômenos aparecem, isso indica que um número muito maior de pessoas está passando por privações e sofrimentos, embora sem atingir níveis extremos.

A maioria de trabalhadores teve que sobreviver a uma situação em que os valores de seus imóveis e outros patrimônios estavam despencando. Para os trabalhadores foi muito difícil sustentar não só o consumo, mas também as despesas com saúde, seguros, educação e todas as coisas que haviam planejado para seus filhos. Houve um custo enorme que foi sustentado pelas famílias da classe trabalhadora em todo o país.

No topo disso tudo, vastas quantias de dinheiro público foram canalizadas para os bancos. Isto significou que efetivamente a população arcou com o custo das dívidas incobráveis. Isto causou grande inquietação e insatisfação política no Japão. Gordon Brown tem uma chance razoável de ter de volta o dinheiro usado para salvar a Northern Rock, mas as pessoas ainda estão muito bravas em relação a isso. Você pode imaginar o que aconteceu no Japão, quando o governo gastou quantias muito maiores de dinheiro público para ajudar os bancos, sem ter nenhum centavo devolvido.

O outro grande pesadelo para os analistas é o Crash de Wall Street de 1929 e a Grande Depressão dos anos 1930. O que você pensa sobre estas comparações?

De maneira interessante, vários analistas de direita têm estado à beira do pânico em relação ao que está acontecendo na economia dos EUA, enquanto muitos na esquerda têm sido bem mais complacentes, dizendo que o capitalismo sobreviveu a muitas crises anteriores. Ambas as atitudes são problemáticas e é preciso uma avaliação equilibrada.

A resposta da classe dominante certamente tem um elemento de histeria, mas isso reflete, em parte, a seriedade da situação. Aqueles que estão à beira do pânico sabem que os livros-caixa dos bancos estão bastante ruins e que os mercados de dinheiro também não estão nada bem.

Os anos 1930 estão gravados nas mentes dos analistas das classe dominante. Será que as coisas desta vez seguirão o mesmo caminho? É muito difícil dizer. Não há nenhuma dúvida que não estamos diante de um fenômeno temporário, como muitas vezes ocorreu no passado. Se os elaboradores de política errarem, poderão facilmente perder o controle da situação, que foi um dos motivos da severidade da crise dos anos 1930.

A crise foi gerada por dívidas incobráveis contraídas para financiamento imobiliário. Enquanto os preços dos imóveis caírem e as pessoas continuarem sem pagar, os bancos norte-americanos permanecerão débeis. Mas isto não durará para sempre - talvez um outro ano ou dois. O que complicaria enormemente as coisas seria uma crise simultânea em outras seções do sistema financeiro ou em outras áreas de crédito.

Os tempos são muito perigosos e as ações das autoridades norte-americanas são muito importantes. Minha impressão é que se fizerem movimentos errados, uma crise muito séria poderá se materializar. A situação poderia sair de controle no sistema financeiro se as autoridades cometerem enganos na hora de decidir quais empresas eles deixarão falir, e quais não. Ou se não conseguirem tranqüilizar os clientes que têm depósitos nos bancos, e assim por diante.

Isso levará a uma situação parecida à dos anos 1930, com desemprego crescente, mercados estagnados e a conseqüente turbulência social e política? Essa possibilidade não poder ser descartada. No ano passado as pessoas teriam rido diante dessa hipótese. Há seis meses as pessoas teriam sido céticas. Hoje, você pode dizer que isso pode acontecer.

Você escreveu sobre o crescimento do sistema financeiro. Como isso mudou o capitalismo?

Nós testemunhamos uma expansão enorme das finanças nas últimas três décadas. Os últimos dez anos estão além de qualquer paralelo no período após 1945. Cerca de um terço dos lucros totais nos EUA corresponde a lucros financeiros, sendo que a maior parte vem de rendimentos pessoais de pessoas físicas. Não vem dos lucros das corporações industriais, que fazem seu dinheiro explorando o trabalhador, mas sua origem está nos bancos que exploram diretamente indivíduos. Este mecanismo de gerar lucros falhou e conduziu a uma enorme crise.

O capitalismo tem se reestruturado continuamente durante as últimas três décadas. Novas tecnologias, métodos de produção e telecomunicações mudaram a economia. Todavia, não testemunhamos uma expansão bem sucedida de acumulação real. Não vemos novas tecnologias conduzindo a um novo período de crescimento. Isso não significa necessariamente que as taxas de lucro sejam baixas, mas estamos vendo a produção se mover rumo ao leste, para a China e outros países que estão agora compartilhando a divisão global do trabalho.

Você pensa que a hegemonia dos EUA, já danificado pela guerra do Iraque, será ainda mais enfraquecida pela crise?

Aqueles que possuem grandes somas de dinheiro globalmente podem agora comprar bancos a preços muito baratos, e é isso que estão fazendo. Isso é o contrário do que ocorreu em 1997-1998, durante a crise do leste asiático, quando instituições norte-americanas cruzaram a Ásia comprando bancos. Hoje são instituições de “países em desenvolvimento” que estão comprando bancos norte-americanos. Isso tem um impacto enorme na hegemonia dos EUA. Instituições estatais estrangeiras que investem os recursos excedentes dos “países em desenvolvimento” estão socorrendo o capitalismo dos EUA.

Muito do poder do capitalismo norte-americano veio da dominação do sistema financeiro global durante as últimas três décadas. Agora este sistema é dependente do capital vindo do mundo árabe, da Rússia, Cingapura e outros lugares.

O quão útil é a economia política Marxista para a compreensão do que está ocorrendo?

A economia política marxista é muito importante. Proporciona uma compreensão poderosa das finanças, mas também tem uma abordagem distinta da economia capitalista em geral. Por exemplo, trata a economia de uma perspectiva de classe e explica a natureza da exploração.

É preciso fazer uma leitura flexível do marxismo, com uma mente aberta. Isto torna possível ver que o sistema financeiro é uma vasta estrutura de exploração, que se tornou particularmente brutal nos últimos anos. O marxismo dá nome aos bois em termos do custo social da crise financeira. Os economistas tradicionais gastam muito tempo falando sobre o lado técnico das coisas, esquecendo as pessoas que estão sofrendo terrivelmente com as suas conseqüências.

FONTE: International Socialism
SITE: http://www.swp.org.uk/ISJ/ISJ.HTM
PUBLICAÇÃO: 17/09/2008

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