O jeito Toyota de ser
A Toyota chegou à liderança do mercado mundial de automóveis ultrapassando um dos símbolos máximos do capitalismo americano, a General Motors. No primeiro trimestre deste ano, a Toyota produziu 2,35 milhões de veículos em todo o mundo - ante 2,26 milhões fabricados pela GM no mesmo período. Por detrás do sucesso da montadora americana está o Sistema Toyota de Produção (TPS - em inglês) e as suas “tartarugas ninjas”, como são conhecidos os operários em outras partes do mundo. Sob o título “Por dentro da maior montadora do mundo”, a revista Exame, nas bancas desse final de semana, aborda em matéria de capa o jeito Toyota de pensar e agir. Na seqüência apresentamos uma síntese da matéria. Os subtítulos são nossos.
Eis a reportagem
Olhada por dentro, fica claro que nada é mais forte na Toyota do que sua cultura. Qualquer um dos 296 000 funcionários da montadora sabe exatamente quais os princípios e os valores da empresa. Como seguidores de uma doutrina, eles parecem acreditar em cada palavra que dizem. Da lista de “preceitos” da montadora constam recomendações como “Seja gentil e generoso, lute para criar uma atmosfera calorosa e caseira”.
Kaizen - a obsessão pela qualidade
Enquanto em boa parte das empresas o principal motor do crescimento é o reconhecimento do sucesso individual - que se manifesta no pagamento de bônus atrelados ao cumprimento de metas, em programas de opções de ações e na ascensão meteórica na carreira -, na Toyota o que move os funcionários é a certeza de que é possível fazer mais e melhor a cada dia, o chamado kaizen. Todos os empregados devem ser eternos insatisfeitos, buscando obsessivamente a qualidade - uma lógica que se aplica do operário ao presidente e que privilegia o trabalho em grupo.
Para que todos saibam exatamente qual é seu papel na engrenagem, os recém-contratados passam por um treinamento de cinco meses antes de assumir seu posto: 30 dias dedicados à cultura Toyota, dois meses numa fábrica, para ver de perto como os carros são produzidos, e o restante dentro de uma concessionária, porque é preciso saber o que quer o consumidor.
O sistema Toyota de produção
A revolução silenciosa protagonizada pela Toyota levou 50 anos para atingir seu ápice. Fundada há 70 anos, a montadora viveu sua pior crise após o final da Segunda Guerra. Às portas da falência, o então presidente da empresa, Eiji Toyoda (primo do fundador, Kichiro Toyoda), pediu a seu principal executivo, o engenheiro Taiichi Ohno, que reinventasse o processo produtivo da montadora. Os tempos de aperto não permitiam mais o desperdício e os estoques altos, comuns às indústrias da época. Para encontrar a resposta ao problema, Ohno não recorreu a consultorias - ele foi para dentro da fábrica e passou um pente-fino em cada etapa do processo de fabricação de automóveis. Nascia ali o que veio a ser chamado de sistema Toyota de produção, cujos principais pilares são o estoque zero, a melhoria contínua e a qualidade na fabricação.
“O sistema Toyota de produção só pode funcionar quando todos os funcionários se tornam tartarugas”
Durante cinco décadas, a Toyota dedicou-se a aperfeiçoar seu método de trabalho, tornando a produção cada vez mais enxuta e eficiente. Aos poucos, virou referência não apenas para outras montadoras - as fábricas da GM, da Ford ou da Volkswagen, por exemplo, são praticamente idênticas às da japonesa - mas também para empresas de outros setores, casos de Alcoa e Bosch, duas de suas seguidoras. O segredo do sucesso do modelo é resultado da mais pura cultura Toyota. “A lenta - mas mais coerente - tartaruga causa menos perda e é muito mais desejável do que a lebre veloz que corre na frente e pára de vez em quando para cochilar.
O sistema Toyota de produção só pode funcionar quando todos os funcionários se tornam tartarugas”, afirma Ohno no livro O Modelo Toyota, escrito por Jeffrey Liker, professor de engenharia na Universidade de Michigan. É justamente essa paciência e atenção aos detalhes que as rivais, por mais que tentem, não conseguem replicar. “Embora muitas montadoras saibam como o sistema funciona, a Toyota tem mais disciplina e visão de longo prazo para esperar os resultados”, afirma Marcos de Oliveira, presidente da operação brasileira da Ford.
As “tartarugas ninjas” da montadora japonesa não se atrasam e não faltam ao trabalho
Nas linhas de produção, as “tartarugas ninjas” da montadora japonesa não se atrasam e não faltam ao trabalho. Como os trabalhadores são altamente especializados e não podem ser substituídos do dia para a noite, a Toyota chega a premiar as fábricas cujo índice de absenteísmo é zero (nos Estados Unidos, por exemplo, os empregados de unidades que registram 100% de assiduidade concorrem anualmente a sorteios de carros). Esse exército de operários trabalha sempre obedecendo a um mesmo ritmo. Nos treinamentos é utilizado até um metrônomo, instrumento que estabelece um padrão fixo para os andamentos musicais para que todos se acostumem a manter a mesma velocidade. Essa precisão é fundamental, uma vez que as linhas de produção operam com estoques baixíssimos - em geral, não mais que o necessário para meia hora de trabalho. Se algum dos operários encontra o mínimo defeito em uma peça ou no carro que está sendo montado, imediatamente puxa uma cordinha esticada ao lado da linha de produção para interromper o processo.
Funcionários das fábricas da Toyota não são sindicalizados
A ascensão da Toyota ao topo da indústria deveu-se, em parte, à crise aguda pela qual passam as montadoras americanas. Atoladas em dívidas, GM e Ford chegaram perto da insolvência e hoje tentam desesperadamente reverter a situação. A GM iniciou um programa de redução de custos que inclui o fechamento de 12 fábricas e a demissão de 30 000 empregados até 2008. A Ford, que no ano passado registrou o prejuízo recorde de 12,7 bilhões de dólares, também planeja fechar 14 fábricas e demitir 30 000 funcionários nos próximos anos.
Há décadas, as duas montadoras oferecem aos funcionários benefícios que estrangulam suas finanças, como aposentadorias com valor preestabelecido (na maioria das empresas, o valor do benefício a ser pago no futuro depende do rendimento das aplicações) e planos de saúde gratuitos até mesmo para os aposentados. A Toyota escapou dessas armadilhas. “Uma das razões é que os funcionários das fábricas da Toyota nos Estados Unidos não são sindicalizados”, afirma John Casesa, sócio da consultoria americana Case sa Shapiro Group, especializada no setor automotivo. Blindada contra problemas trabalhistas, a Toyota avançou quase ininterruptamente no mercado americano desde que se instalou por lá, em 1984, e hoje tem 17% das vendas de automóveis no país.
Desafios para continuar sendo a nº 1
Para manter a média anual de crescimento de dois dígitos das últimas quatro décadas, a Toyota precisará superar alguns desafios. Com a liderança do mercado, a Toyota agora passa também a ser mais visada. “Certamente os executivos da montadora estão mais preocupados do que felizes com o título de maior do mundo”, afirma José Roberto Ferro, diretor do Lean Institute do Brasil. O principal temor é que os consumidores tenham uma reação anti-Toyota, sobretudo nos Estados Unidos, onde os problemas das montadoras locais ganham ampla repercussão na mídia e, em alguns estados, servem de combustível a campanhas nacionalistas.
“Já temos uma boa idéia de como serão as cidades e as estradas nos próximos 30 anos”
O outro desafio é continuar desenvolvendo carros que caiam no gosto dos consumidores. Para alcançar a meta, a Toyota alicerça seu processo de inovação num longo planejamento e num investimento mais que generoso - no ano passado foram mais de 8 bilhões de dólares aplicados em pesquisa e desenvolvimento. “Já temos uma boa idéia de como serão as cidades e as estradas nos próximos 30 anos e que tipo de carro pode ser a melhor solução para elas”, afirma Shinzo Kobuki, chefe do departamento de pesquisa e desenvolvimento da companhia e um dos engenheiros responsáveis pela criação do Prius.
O modelo híbrido, aliás, é um exemplo contundente do estilo Toyota de inovar. No início da década de 90, o então presidente da empresa, Eiji Toyoda, pediu que seus engenheiros pensassem em qual seria o tipo de veículo ideal para o século 21. O Prius nasceu não de uma idéia brilhante formulada por um engenheiro fenomenal, mas como resultado de um árduo trabalho em grupo que levou quatro anos para ser finalizado. Atualmente, a equipe de pesquisa dedica-se a desenvolver modelos que utilizem energias alternativas como combustível (quatro tecnologias estão em estudo) e a criar carros de baixo custo que possam competir em mercados emergentes. Uma das possibilidades é que o Brasil - onde a Toyota detém tímidos 3% de participação de mercado -venha a sediar uma nova fábrica para produzir veículos baratos.
Muitos desses desafios deverão ser enfrentados não apenas por Watanabe mas também por Akio Toyoda, seu provável sucessor. Aos 51 anos de idade e membro da família fundadora da empresa, Akio ocupa atualmente uma das vice-presidências da companhia e tem entre suas atribuições a área de tecnologia. Com experiência fora do Japão, é um dos raros executivos da montadora a falar inglês fluentemente. “Ele tem um estilo mais de executivo global que de executivo japonês”, diz um funcionário da Toyota que o conhece pessoalmente. Esse “estilo global” deverá ser crucial para garantir o sucesso da empresa no futuro. Mas a passagem de bastão ainda deve demorar alguns anos para ocorrer - no melhor estilo Toyota, a decisão está lenta e silenciosamente amadurecendo na mente dos homens que comandam a empresa.
Os oito mandamentos da Toyota
Os princípios que regem o dia-a-dia da maior montadora do mundo segundo reportagem da revista Exame, nas bancas nesse final de semana:
1. Qualidade, qualidade, qualidade
O mantra é repetido à exaustão por todos os funcionários da empresa. A busca pela perfeição é o motor do aprimoramento contínuo da Toyota.
2. Obsessão por corte de custos
Não é apenas nas fábricas que a montadora busca reduzir suas despesas continuamente. Na matriz, por exemplo, é proibido tirar impressões coloridas e todo o papel utilizado é reciclável.
3. Investimento em treinamento
Antes de começar a trabalhar, todos os funcionários recém contratados passam por um treinamento de cinco meses, independentemente do cargo que vão ocupar.
4. Emprego vitalício
Embora fora de moda na maioria das empresas, empregar um funcionário por décadas ainda é uma das principais características da Toyota, sobretudo no Japão.
5. Busca pela simplicidade
Na montadora japonesa, o negócio é ser simples. Nas reuniões de executivos, por exemplo, as apresentações devem caber numa folha de papel no formato A3.
6. Visão de longo prazo
O planejamento é chave na companhia. Hoje, o departamento de pesquisa e desenvolvimento da empresa já está avaliando como devem ser os carros da montadora em 2030.
7. Decisão por consenso
A maioria das decisões ainda é tomada em conjunto pelos 30 principais executivos. Embora mais longo, o processo minimiza riscos e evita rachas internos.
8. Proximidade com o consumidor
Em vez de criar carros que sejam ícones da indústria automotiva, a Toyota investe em pesquisas para criar automóveis que os clientes queiram (ou precisem) comprar.
Instituto Humanitas Unisinos
http://www.unisinos.br/ihu/index.php
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