Mídia, histeria coletiva e superficialidade na cobertura do caso Isabella

Mídia, histeria coletiva e superficialidade na cobertura do caso Isabella

Heitor Reis (*)

Gilberto Dimenstein levantou uma questão fundamental em seus artigos anteriores na Folha de São Paulo, e, mais exatamente neste domingo, dia 20/04/2008: a desproporção entre o tratamento dado pela mídia para as Isabellas pobres e miseráveis, caso os comparemos com a abordagem do caso Nardoni, de classe média. Na falta deste, seguem endereços de outros, anteriores:
[ http://www1. folha.uol. com.br/folha/ pensata/gilberto dimenstein/ ult508u394176. shtml, http://www1. folha.uol. com.br/folha/ pensata/gilberto dimenstein/ ult508u392042. shtml ]

Pelo visto, a mídia, repercutindo o interesse do público, tem preconceito social! Mas Dimenstein considera que este caso lamentável contribui, de certa forma, para que se amplie o debate. Lamentavelmente, não constatei isto ainda, mesmo tendo estado exposto a inúmeras matérias sobre o assassinato nestas últimas semanas... Mas torço para que esta tendência natural se concretize.

Este notável profissional bem que poderia ir contra a correnteza (por exemplo, o filme Tropa de Elite, ), abordando as causas da violência (e dos maiores problemas que temos), sempre que enfocar o tema:
a.. Elevada concentração de riqueza, com 1 % abocanhando mais da metade dos bens da nação;
b.. Financiamento de campanhas políticas pelos ricos, utilizando o Estado como ferramenta para manutenção e ampliação de poder (plutocracia, cleptocracia e corporocracia) ;
c.. A República é, na realidade, uma Reparticular;
d.. Elevados impostos aos pobres (40 % de tudo que consomem) e sua aplicação prioritária no atendimento ao interesse dos ricos e de seus legítimos representantes no governo;
e.. Utilização da mídia para escravizar grande parte da população e explorá-la, conforme Perseu Abramo, definindo-a como inimiga do povo brasileiro, etc.

O problema é que, caso o fizesse, correria o risco de que os veículos que veiculam suas matérias, o dispensariam por necessidade de redução de custos, etc., como é de praxe... Claro que eles jamais teriam em suas páginas alguém que lhes desse um tiro no próprio pé ou no de seus anunciantes, praticando o que defendo como sendo o verdadeiro jornalismo:

O verdadeiro jornalismo é aquele que mostra exatamente fatos, idéias e pessoas que os poderosos querem esconder. O resto é assessoria de imprensa, propaganda, entretenimento, manipulação ou mero diletantismo filosófico.

Outro aspecto que ele comenta, de forma mais moderada que eu, é a histeria coletiva gerada em casos como este, quando a população toma as dores da vítima e procura linchar o primeiro suspeito, considerando como provas incontestáveis os fatos levantados pela polícia.

Considerando o emocionalismo, sentimentalismo e passionalismo, tradicional em nossa origem ibero-católica- latino-americana de nosso povo e os 74 % de analfabetismo total e funcional de nosso povo, não é de estranhar. Anglo-saxões- protestantes erram por ainda não dominarem os aspectos negativos de características opostas...

Considerando a avidez pelo lucro a qualquer custo pelo inconstitucional oligopólio da mídia, também não há como nos surpreendermos.

O certo é que, com tamanha exposição do assunto ("overdose", para quem é analfabeto em português), especialmente na TV, as pessoas mais fracas vão canalizando suas frustrações do dia-a-dia para o primeiro bode expiatório produzido pelos meios de comunicação de massa.

Da mesma forma, a mídia conduz as esperanças da massa politicamente ignara (Bertold Brecht) para o salvador da pátria que resolver produzir, como foi o caso do Collor pela Rede Globo, assumidamente conduzido à Presidência de República por determinação de Roberto Marinho, nas palavras de sua viúva, durante lançamento de livro sobre a vida dele:

"O Roberto colocou ele (Fernando Collor de Mello, na Presidência) e depois tirou. Durou pouco. Ele se enganou".

Sem dúvida, o sistema estatal de comunicação, erroneamente chamado de público, faz a diferença, o que seria ainda melhor, caso fosse público de fato. Mas num Estado privatizado e numa ditadura econômica que se faz passar por democracia, graças ao poder da mídia e do sistema de ensino a serviço do engano, seria pedir demais!

(*) Heitor Reis é engenheiro civil, militante do movimento pela democratização da comunicação e membro do Conselho Consultor da CMQV - Câmara Multidisciplinar de Qualidade de Vida (www.cmqv.org ). Nenhum direito autoral reservado: Esquerdos autorais ("Copyleft") . Contatos: (31) 3486 6286 - heitorreis@fr. fm

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