O Brasil no cenário mundial - entrevista ministro Celso Amorim
Em meio a brasileiros deportados e latino-americanos em pé de guerra, o chanceler está certo de que nunca antes neste país se fez tão boa política externa
Fred Melo Paiva
Celso Luís Nunes Amorim, o “mister Santos” (sic) conforme Condoleezza Rice, cumpriu verdadeira epopéia no último mês. Foi a Espanha, Arábia Saudita, Síria, Jordânia, Palestina, Israel, Vietnã, Cingapura, Argentina, Uruguai, República Dominica. “Sempre voltando ao Brasil entre uma jornada e outra”, diz, o que torna o périplo ainda mais incrível. Junte-se ao jet leg a crise na América Latina, desencadeada quando a Colômbia bombardeou um acampamento das Farc em território equatoriano. Acrescente-se à crise a questão das deportações de brasileiros na Espanha. Some-se a isso a recepção à secretária de Estado americana, “Condie” (sic) conforme Amorim, na semana passada. É de se supor que desse caldo se faça um chanceler cansado. Não, se for o caso de destilar os “feitos” da política externa do presidente Lula, o “modesto”.
Celso Amorim tem 65 anos. É diplomata de carreira do Itamaraty. Foi ministro das Relações Exteriores de 1993 a 1994, durante o governo Itamar Franco. Entre 1995 e 2001, sob FHC, representou o Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU). Está com Lula desde o começo de seu primeiro mandato, em 2003. É uma testemunha privilegiada das mudanças que vai resgantando o mundo da unipolaridade americana. Há que se dar um desconto, porém: na entrevista a seguir, não se trata de um analista independente, mas de um alto membro do governo. Suas respostas revelam, no entanto, os matizes da política externa oficial, ora celebrada, ora contestada. A elas:
Alguns analistas dizem que o Brasil perdeu uma oportunidade de se firmar como liderança regional na recente crise entre Colômbia e Equador. Outros vêm méritos na atuação da diplomacia brasileira. Por que há essas duas leituras?
Quando ninguém no País está falando mal do governo, o que é muito raro, acha-se um sociólogo não sei aonde para criticar (uma referência ao argentino Juan Gabriel Tokatlian). Não estou dizendo que as críticas sejam desonestas. Agora, pegue, por exemplo, o que disse o (cientista político José Augusto) Guilhon (Albuquerque) , segundo o qual o Brasil deu uma escorregadela porque tomou o lado do Equador. O Brasil não tomou lado nenhum. Apenas defendeu uma coisa fundamental para as relações internacionais - base da nossa política desde antes do (Barão do) Rio Branco -, que é o respeito à integridade territorial dos Estados. Não podemos relativizar esse conceito. Sem desconhecer que o tema ganhou implicações regionais, o grande esforço do Brasil foi no sentido de enquadrá-lo num enfoque institucional. Em um período de três dias, dei cerca de quarenta telefonemas. Quando a resolução estava demorando para sair, voltei a ligar para o secretário-geral da OEA e disse: “O que está em jogo é a credibilidade da instituição. Se não sair a resolução, vamos tratar disso em outro lugar”. Não sei se ajudou, mas, em uma hora e meia, aprovou-se a resolução. Depois, no Grupo do Rio, o resultado foi o melhor possível. Diante de tudo isso, como se pode dizer que perdemos alguma oportunidade?
Pode-se dizer que o presidente Lula perdeu a oportunidade de estar presente no encontro que, pelo menos até agora, selou a paz.
Mas o presidente Lula é tão modesto que não precisava estar ali para receber as glórias. Todo o mundo que interessa sabe que ele teve influência sobre esse processo. Nosso objetivo é resolver os problemas e não ficar acumulando glórias. Além disso, o presidente Lula estava presente, mesmo não estando. Veja que fui o único chanceler que falou. Isso não é trivial. Era uma reunião de presidentes, em que muitos não falaram. Mas eu falei, e não porque tenha me imposto. Vieram me pedir que falasse, porque a opinião do Brasil era importante. Pelo protocolo, eu deveria ser o último. Mas alguns presidentes preferiram se pronunciar depois, porque queriam ouvir primeiro o Brasil.
Mas o presidente não foi à reunião por uma questão de modéstia?
Não posso dizer isso. Ele tinha compromisso no Brasil. Estamos celebrando o que muitos historiadores consideram o início de nossa independência (os 200 anos da chegada da família real ao País). Para isso, o presidente Lula convidou o presidente de Portugal para vir ao Brasil. Só daqui a 100 anos você terá alguma coisa equivalente. Além disso, na prática, o que se decidiu no Grupo do Rio já tinha ficado acertado na resolução da OEA.
Os discursos pacificadores de Hugo Chávez e a maneira como se fez rapidamente o entendimento tem alguma relação com os arquivos encontrados pelos colombianos no computador do líder das Farc, Raúl Reyes, e que mostrariam a ligação de outros países com a guerrilha?
Como posso especular sobre as motivações do presidente Chávez? Acho que ele tem um desejo autêntico de ajudar na questão dos reféns. Agora, a diplomacia, diferentemente talvez do jornalismo, não tem de ficar investigando. Às vezes, se você vê uma nesgazinha de esperança, é nela que tem de apostar, ignorando tudo o mais.
A ausência de Lula não era preventiva, para o caso de a reunião desandar, inclusive em razão das informações contidas nos computadores?
Se houvesse um sentimento de que a coisa poderia desandar, aí é que Lula se faria presente.
Como a diplomacia vai lidar com essas informações supostamente comprometedoras?
A declaração do Grupo do Rio diz que a Colômbia entregará (o material apreendido) ao Equador, para que se faça uma investigação - isso está em um dos parágrafos da declaração. Esta investigação deve envolver a oposição e a Justiça equatoriana. Como eu disse à presidente Bachelet, brincando: “Vale o que está escrito” (a expressão vinha grafada nas pules do jogo do bicho, como garantia do prêmio).
Por que o Brasil não se posiciona de mais maneira mais firme com relação às Farc?
Nossa posição é firme na condenação aos atos de violência que elas têm praticado ultimamente. Por que não classificamos as Farc como movimento terrorista? Porque o Brasil não tem a prática de fazer classificações desse tipo, a não ser que tenha antes sido feita pela ONU. A Al-Qaeda, por exemplo, foi declarada pela ONU um movimento terrorista - e por isso a legislação brasileira a considera dessa mesma forma. Ademais, as organizações evoluem para melhor ou para pior. Quando morei na Inglaterra, há 40 anos, ninguém falava com o IRA (Exército Republicano Irlandês). Depois passou-se a dialogar com o grupo, que mudou de comportamento. Hoje toma parte nas decisões do governo. Com o Khmer Vermelho (guerrilha comunista do Camboja) aconteceu o contrário. Não estou comparando as Farc com um nem com outro. Apenas dizendo que, em algum momento, talvez precisaremos conversar (com as Farc). De qualquer maneira, temos absoluta clareza em não manter nenhum diálogo político com eles, sem que antes sejam libertados todos os reféns, de forma unilateral e sem que se imponha nenhuma condição para isso.
O que tem sido feito para colaborar com a libertação dos reféns?
Se tivermos de participar de algum diálogo humanitário, só o faremos em concordância com o governo colombiano, que é democraticamente eleito. No entanto, o que aconteceu recentemente - e cujo fechamento total se dará amanhã na reunião da OEA -, serviu para demonstrar que as Farc são, sob certos aspectos, uma questão não apenas colombiana mas regional. O governo da Colômbia quer tratar o tema regionalmente apenas quando fala de cooperação contra o terrorismo. Isso é muito difícil. O presidente Uribe tem de ter a capacidade de ouvir sugestões, inclusive sobre a parte humanitária.
Há algum constrangimento por parte da diplomacia brasileira em função da afinidade ideológica do PT com as Farc?
É injusto e exagerado falar de identidade ideológica (entre Farc e PT). O presidente Lula perdeu três eleições e nunca saiu da via democrática. Sua política é uma política de Estado e isso é claríssimo, de forma que essa questão não nos constrange. A primeira vez que se tratou do tema das Farc neste governo foi numa conversa envolvendo o governo da Colômbia, um representante da ONU naquele país e o (então secretário-geral da ONU) Kofi Annan. Tentava-se, ali, o começo de um diálogo humanitário entre a ONU e as Farc. A idéia era que isso pudesse ocorrer em território brasileiro. Se houvesse algum constrangimento, o presidente Uribe seria o primeiro a ter vetado a iniciativa. Aliás, o próprio Uribe já pediu ajuda ao PT para lidar com o movimento sindical de seu país.
Outro tema que tem sido recorrente nas relações internacionais do País diz respeito ao crescente número de brasileiros impedidos de entrar na Espanha. Qual a motivação para esse tratamento?
Houve um aumento exacerbado nas recusas de entrada. Há um ano e meio, a média era de um brasileiro a cada mês. No último ano, e portanto bem antes das eleições espanholas, esse número pulou para 8 a 10 pessoas mensalmente impedidas de ingressar naquele país. Ontem (quarta-feira passada) o ministro espanhol me telefonou propondo um encontro e a criação de uma comissão de alto nível para tratar do tema.
Existe uma preocupação do País com relação à prostituição de brasileiros e brasileiras em países como a Espanha?
Mas o Itamaraty não é a Interpol. O que podemos fazer é um trabalho de apoio a esses brasileiros, que podem inclusive estar sendo aliciados.
O que representa a visita da secretária de Estado Condoleezza Rice ao Brasil essa semana?
A continuidade de um processo de diálogo muito intenso que tem havido entre Brasil e Estados Unidos. Houve duas visitas do presidente Lula aos EUA, duas visitas do presidente Bush ao Brasil. Tenho conversado com a secretária de Estado com uma freqüência muito grande. É um diálogo aberto, sobre temas variados. Houve uma matéria de jornal dizendo que ela viria para pressionar o Brasil com relação às Farc. Isso não tem cabimento nenhum porque não teria adiantado nada: sobre isso, nossa posição e a maneira como lidamos com os problemas são muito claras. Trocamos idéias sobre a América Latina, sim, mas também sobre o Oriente Médio, onde eu e ela estivemos recentemente. Falamos também sobre biocombustíveis. Nesse ponto, os dois países têm interesses que não são idênticos mas parecidos. Apenas defendemos que o etanol da cana de açúcar é mais eficiente. Muitas pessoas nos Estados Unidos concordam com a gente. Depois das eleições americanas, talvez isso possa avançar mais.
Condoleezza Rice justificou “ações militares preventivas” em zonas fronteiriças para combater o tráfico e a guerrilha. Ou seja, justificou a ação colombiana na recente crise envolvendo o Equador. Como vê a posição da secretária de Estado?
Os países devem cooperar ao máximo para combater ações de grupos ilegais. Mas o Brasil não está de acordo com uma doutrina de ataque preventivo.
A visita de Condoleezza é uma tentativa de reforçar a liderança do Brasil na região?
Não estamos preocupados com isso. Na prática, o Brasil sempre tem tido papel importante em várias questões. Isso não é exclusivo do País e nem queremos que seja. Um exemplo: o presidente Lula tomou iniciativas com relação à África e aos países árabes. No caso dos primeiros, poderíamos ter trabalhado para reuniões de cúpula específicas Brasil-África. Muitos africanos nos falaram isso. Mas preferimos que seja América do Sul-África, porque sabemos que a unidade da América do Sul nos fortalece a todos, inclusive o Brasil. Agora, é claro que somos um país grande - a sexta economia do mundo segundo critérios da PPP (paridade de poder de compra, na sigla em inglês, escala usada pelo Banco Mundial) - e temos uma política externa de tradição. Isso ajuda a formar uma posição respeitada na região e também fora dela.
Como o senhor avalia os resultados da política sul-sul do governo Lula?
Pegue um economista como Albert Fishlow (da Columbia University). Em entrevista recente, ele disse que o desenvolvimentos dessas relações sul-sul é uma das razões pelas quais o Brasil encontra-se menos vulnerável aos problemas na economia americana. Fishlow sempre defendeu a Alca, no lugar de nossas iniciativas como a relação especial com a China, a África, os países árabes e sobretudo com a própria América do Sul. Quando ele fala agora sobre o Brasil e a crise americana, não há a menor dúvida de que optamos pelo caminho certo. Ao criarmos o G-20, acabamos por extrapolar o âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Isso nos valeu uma credibilidade enorme com os países em desenvolvimento, que acaba enfim se refletindo no clima dos negócios. Entre 2003 e 2007, num contexto em que as relações comerciais do Brasil cresceram como nunca, a participação dos países em desenvolvimento no montante de nossas exportações, que era de 45%, trocou de posição com a dos países desenvolvidos, que correspondia a 55%. Hoje é exatamente o contrário, o que nos deu um colchão para enfrentar a crise. A maioria dos economistas está dizendo agora que a esperança de crescimento do mundo reside nos países emergentes. E veja que não são economistas de esquerda, não são os alternativos. Nós tivemos a intuição - ou a percepção - disso antes das coisas acontecerem.
Na sexta-feira, o jornal inglês ‘The Guardian’ publicou um suplemento de 20 páginas sobre o Brasil e, nele, chama Lula de “herói acidental”. Diz que o presidente parece ser um “sortudo”. Na avaliação do senhor, Lula é sortudo ou competente?
Como dizia o famoso jogador de xadrez Petrossian, a sorte está do lado dos bons.
A política sul-sul permanece depois do governo Lula?
Tenho certeza. Os críticos da política externa brasileira - não citarei nomes porque os considero meus amigos e um dia tomaremos um cafezinho juntos de novo - eles próprios dizem: “A política com a África está certa, com os países árabes também, com a América do Sul”.
Que papel o Brasil deve desenvolver na transição de Cuba?
A transição de Cuba, termo que você está usando, é um assunto dos cubanos. O que fazemos é estimular o que nos parece razoável. Acabei de vir do Vietnã, onde as reformas estão acontecendo paulatinamente. Se houver em relação a Cuba uma atitude pragmática da comunidade internacional, como há com o Vietnã, isso vai ajudar para que a evolução se dê naturalmente - de acordo com os interesses do povo cubano e respeitadas as conquistas sociais que tiveram e que são indiscutíveis. Prefiro falar em evolução do que em transição. Um ponto a que não se deu muita atenção é o fato de Cuba ter acabado de aderir às convenções das Nações Unidas sobre direitos civis e políticos, que era uma cobrança antiga. Isso demonstra que há uma evolução.
O Brasil pode ser um interlocutor importante entre Cuba e os Estados Unidos?
Acho que essa interlocução será direta. O povo cubano é muito orgulhoso de suas conquistas, e com razão.
O senhor tratou desse assunto com Condoleezza Rice?
Temos os nossos segredinhos. ..
Um assunto que fez parte do encontro com a secretária de Estado foi a reforma da ONU. O tema, no entanto, parece ter dado lugar a outras preocupações da política externa brasileira. O senhor julga equivocado aquele momento de obstinação do Brasil por uma vaga no Conselho de Segurança?
O Brasil e a torcida do Flamengo acham que a ONU deve ser reformada. Ela não pode ter hoje a mesma estrutura de 1945 - sobretudo seu órgão mais poderoso, que é o Conselho de Segurança. Isso não tem cabimento. A obstinação de reformar a ONU, se quiser falar assim, continua. Não é que o Brasil quer uma cadeira como se fosse ganhar a Copa do Mundo. Agora, quais são os países que podem contribuir para um Conselho de Segurança mais equilibrado? Quem são aqueles que melhor refletem as mudanças do mundo? Qualquer governo no Brasil que se afastar dessa questão, rapidamente voltará a ela. Não quero fazer julgamento sobre governos anteriores, até porque fui embaixador na ONU durante o período FHC. Na ocasião, trabalhamos muito com esse objetivo e jamais recebi instruções de Brasília para que fosse diferente. Agora estamos numa fase de negociações. Posso dizer uma coisa clara: não haverá membros permanentes da mesma forma como foram os da carta de 1945. Membro permanente com poder de veto, isso não será mais possível. A longo prazo, não teremos países-membros com poderes tão arbitrários como os de hoje. Não é mais possível deter essa evolução.
O que mudou em nossa política externa de FHC para cá?
Os princípios básicos são os mesmos. Mudaram as ênfases e as intensidades com que certos temas são tratados. Quando eu era embaixador na ONU, o Brasil sempre teve proximidade com os africanos. Não se pode dizer, portanto, que a boa relação com a África é uma invenção do governo atual. Agora, vá comparar a intensidade dessa relação antes e depois. Os países árabes eram antes uma coisa distante. Agora somos convidados para a Conferência de Annapolis sobre Oriente Médio. Não me consta que no passado isso ocorresse. No segundo dia do governo Lula, criou-se o foro Índia-Brasil-Á frica do Sul (Ibas). Não é coincidência que, à exceção daqueles diretamente envolvidos na problemática da região, os únicos três países convidados logo de início para Annapolis tenham sido justamente Índia, Brasil e África do Sul. Isso tem um impacto em toda a política internacional. Com excessão de um único ano, fomos chamados a participar de todas as reuniões do G-8. Essas mudanças são tão grandes que talvez se possa dizer que as únicas coisas que permaneceram iguais (ao governo FHC) foram os princípios.
O que o senhor considera uma marca da política internacional sob a gestão Lula?
Entre outros pontos, a multipolaridade. O Brasil tem trabalhado ativamente por ela. O grande diferencial é que deixamos de lado a velha dicotomia que habitava a cabeça das pessoas: melhoramos nossas articulações com a África, China, Índia - mas sem hostilizar os Estados Unidos e a União Européia, que tem tido conosco um diálogo muito privilegiado. Note que não foi o Brasil que propôs à UE a criação de uma parceria estratégica. A proposta partiu deles. Por outro lado, não preciso olhar para EUA e Europa para enxergar o Oriente Médio e a África. Claro que isso não aconteceu por causa deste governo. Não haveria como pensar no Ibas sem que tivéssemos uma democracia consolidada e uma economia estabilizada. Agora, a aposta nas novas oportunidades, sem preconceitos, isso o governo Lula ajudou muito a fazer. Quando ele, Lula, foi à Síria, à Líbia, a imprensa o criticou duramente. Dois meses depois, foi o Aznar (então primeiro-ministro da Espanha). Seis meses depois, o Tony Blair. Lula não tem de pedir licença. Papai, posso ir? Mamãe, posso ir? Se ficar perguntando demais, vai ouvir o seguinte: “Não vai não, deixa pra mim”. Tudo isso, no entanto, sem nenhum espiríto de confrontação. Eu fui diplomata durante o regime militar. Vejo hoje um diálogo muito mais fluido com os EUA do que em qualquer outro momento.
O que o senhor sonha fazer, ainda, em sua carreira?
Uma das coisas de que necessitamos é a renovação do Itamaraty. É preciso gente jovem. Não dá mais para você ser embaixador chegando no serviço ao meio-dia e abrindo os trabalhos lendo o Times. O mundo mudou. Temos hoje um programa de bolsa para afrodescendentes - que, sejamos justos, começou no governo anterior. Não é feito para ajudar o afrodescendente, mas o próprio Itamaraty. Quando vamos a conferências internacionais discutir racismo, mesmo que sejamos a segunda população negra do mundo, sempre nos perguntamos: mas onde é que estão os negros aqui entre nós? O Itamaraty tem de ser representativo da sociedade brasileira. Por isso temos de facilitar o acesso, sem no entanto perder a excelência. No passado, as provas para o Instituto Rio Branco perguntavam para que lado estava virado o bico do pelicano na edição princeps de Os Lusíadas. Você acha que isso ajuda a defender os interesses nacionais fora do País?
O Itamaraty não está hoje por demais politizado?
Isso não é verdade. No meu gabinete, nunca perguntei em quem as pessoas votaram. Se você for ver, muita gente do governo anterior está aqui hoje. E muito bem situada.
Fred Melo Paiva
Celso Luís Nunes Amorim, o “mister Santos” (sic) conforme Condoleezza Rice, cumpriu verdadeira epopéia no último mês. Foi a Espanha, Arábia Saudita, Síria, Jordânia, Palestina, Israel, Vietnã, Cingapura, Argentina, Uruguai, República Dominica. “Sempre voltando ao Brasil entre uma jornada e outra”, diz, o que torna o périplo ainda mais incrível. Junte-se ao jet leg a crise na América Latina, desencadeada quando a Colômbia bombardeou um acampamento das Farc em território equatoriano. Acrescente-se à crise a questão das deportações de brasileiros na Espanha. Some-se a isso a recepção à secretária de Estado americana, “Condie” (sic) conforme Amorim, na semana passada. É de se supor que desse caldo se faça um chanceler cansado. Não, se for o caso de destilar os “feitos” da política externa do presidente Lula, o “modesto”.
Celso Amorim tem 65 anos. É diplomata de carreira do Itamaraty. Foi ministro das Relações Exteriores de 1993 a 1994, durante o governo Itamar Franco. Entre 1995 e 2001, sob FHC, representou o Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU). Está com Lula desde o começo de seu primeiro mandato, em 2003. É uma testemunha privilegiada das mudanças que vai resgantando o mundo da unipolaridade americana. Há que se dar um desconto, porém: na entrevista a seguir, não se trata de um analista independente, mas de um alto membro do governo. Suas respostas revelam, no entanto, os matizes da política externa oficial, ora celebrada, ora contestada. A elas:
Alguns analistas dizem que o Brasil perdeu uma oportunidade de se firmar como liderança regional na recente crise entre Colômbia e Equador. Outros vêm méritos na atuação da diplomacia brasileira. Por que há essas duas leituras?
Quando ninguém no País está falando mal do governo, o que é muito raro, acha-se um sociólogo não sei aonde para criticar (uma referência ao argentino Juan Gabriel Tokatlian). Não estou dizendo que as críticas sejam desonestas. Agora, pegue, por exemplo, o que disse o (cientista político José Augusto) Guilhon (Albuquerque) , segundo o qual o Brasil deu uma escorregadela porque tomou o lado do Equador. O Brasil não tomou lado nenhum. Apenas defendeu uma coisa fundamental para as relações internacionais - base da nossa política desde antes do (Barão do) Rio Branco -, que é o respeito à integridade territorial dos Estados. Não podemos relativizar esse conceito. Sem desconhecer que o tema ganhou implicações regionais, o grande esforço do Brasil foi no sentido de enquadrá-lo num enfoque institucional. Em um período de três dias, dei cerca de quarenta telefonemas. Quando a resolução estava demorando para sair, voltei a ligar para o secretário-geral da OEA e disse: “O que está em jogo é a credibilidade da instituição. Se não sair a resolução, vamos tratar disso em outro lugar”. Não sei se ajudou, mas, em uma hora e meia, aprovou-se a resolução. Depois, no Grupo do Rio, o resultado foi o melhor possível. Diante de tudo isso, como se pode dizer que perdemos alguma oportunidade?
Pode-se dizer que o presidente Lula perdeu a oportunidade de estar presente no encontro que, pelo menos até agora, selou a paz.
Mas o presidente Lula é tão modesto que não precisava estar ali para receber as glórias. Todo o mundo que interessa sabe que ele teve influência sobre esse processo. Nosso objetivo é resolver os problemas e não ficar acumulando glórias. Além disso, o presidente Lula estava presente, mesmo não estando. Veja que fui o único chanceler que falou. Isso não é trivial. Era uma reunião de presidentes, em que muitos não falaram. Mas eu falei, e não porque tenha me imposto. Vieram me pedir que falasse, porque a opinião do Brasil era importante. Pelo protocolo, eu deveria ser o último. Mas alguns presidentes preferiram se pronunciar depois, porque queriam ouvir primeiro o Brasil.
Mas o presidente não foi à reunião por uma questão de modéstia?
Não posso dizer isso. Ele tinha compromisso no Brasil. Estamos celebrando o que muitos historiadores consideram o início de nossa independência (os 200 anos da chegada da família real ao País). Para isso, o presidente Lula convidou o presidente de Portugal para vir ao Brasil. Só daqui a 100 anos você terá alguma coisa equivalente. Além disso, na prática, o que se decidiu no Grupo do Rio já tinha ficado acertado na resolução da OEA.
Os discursos pacificadores de Hugo Chávez e a maneira como se fez rapidamente o entendimento tem alguma relação com os arquivos encontrados pelos colombianos no computador do líder das Farc, Raúl Reyes, e que mostrariam a ligação de outros países com a guerrilha?
Como posso especular sobre as motivações do presidente Chávez? Acho que ele tem um desejo autêntico de ajudar na questão dos reféns. Agora, a diplomacia, diferentemente talvez do jornalismo, não tem de ficar investigando. Às vezes, se você vê uma nesgazinha de esperança, é nela que tem de apostar, ignorando tudo o mais.
A ausência de Lula não era preventiva, para o caso de a reunião desandar, inclusive em razão das informações contidas nos computadores?
Se houvesse um sentimento de que a coisa poderia desandar, aí é que Lula se faria presente.
Como a diplomacia vai lidar com essas informações supostamente comprometedoras?
A declaração do Grupo do Rio diz que a Colômbia entregará (o material apreendido) ao Equador, para que se faça uma investigação - isso está em um dos parágrafos da declaração. Esta investigação deve envolver a oposição e a Justiça equatoriana. Como eu disse à presidente Bachelet, brincando: “Vale o que está escrito” (a expressão vinha grafada nas pules do jogo do bicho, como garantia do prêmio).
Por que o Brasil não se posiciona de mais maneira mais firme com relação às Farc?
Nossa posição é firme na condenação aos atos de violência que elas têm praticado ultimamente. Por que não classificamos as Farc como movimento terrorista? Porque o Brasil não tem a prática de fazer classificações desse tipo, a não ser que tenha antes sido feita pela ONU. A Al-Qaeda, por exemplo, foi declarada pela ONU um movimento terrorista - e por isso a legislação brasileira a considera dessa mesma forma. Ademais, as organizações evoluem para melhor ou para pior. Quando morei na Inglaterra, há 40 anos, ninguém falava com o IRA (Exército Republicano Irlandês). Depois passou-se a dialogar com o grupo, que mudou de comportamento. Hoje toma parte nas decisões do governo. Com o Khmer Vermelho (guerrilha comunista do Camboja) aconteceu o contrário. Não estou comparando as Farc com um nem com outro. Apenas dizendo que, em algum momento, talvez precisaremos conversar (com as Farc). De qualquer maneira, temos absoluta clareza em não manter nenhum diálogo político com eles, sem que antes sejam libertados todos os reféns, de forma unilateral e sem que se imponha nenhuma condição para isso.
O que tem sido feito para colaborar com a libertação dos reféns?
Se tivermos de participar de algum diálogo humanitário, só o faremos em concordância com o governo colombiano, que é democraticamente eleito. No entanto, o que aconteceu recentemente - e cujo fechamento total se dará amanhã na reunião da OEA -, serviu para demonstrar que as Farc são, sob certos aspectos, uma questão não apenas colombiana mas regional. O governo da Colômbia quer tratar o tema regionalmente apenas quando fala de cooperação contra o terrorismo. Isso é muito difícil. O presidente Uribe tem de ter a capacidade de ouvir sugestões, inclusive sobre a parte humanitária.
Há algum constrangimento por parte da diplomacia brasileira em função da afinidade ideológica do PT com as Farc?
É injusto e exagerado falar de identidade ideológica (entre Farc e PT). O presidente Lula perdeu três eleições e nunca saiu da via democrática. Sua política é uma política de Estado e isso é claríssimo, de forma que essa questão não nos constrange. A primeira vez que se tratou do tema das Farc neste governo foi numa conversa envolvendo o governo da Colômbia, um representante da ONU naquele país e o (então secretário-geral da ONU) Kofi Annan. Tentava-se, ali, o começo de um diálogo humanitário entre a ONU e as Farc. A idéia era que isso pudesse ocorrer em território brasileiro. Se houvesse algum constrangimento, o presidente Uribe seria o primeiro a ter vetado a iniciativa. Aliás, o próprio Uribe já pediu ajuda ao PT para lidar com o movimento sindical de seu país.
Outro tema que tem sido recorrente nas relações internacionais do País diz respeito ao crescente número de brasileiros impedidos de entrar na Espanha. Qual a motivação para esse tratamento?
Houve um aumento exacerbado nas recusas de entrada. Há um ano e meio, a média era de um brasileiro a cada mês. No último ano, e portanto bem antes das eleições espanholas, esse número pulou para 8 a 10 pessoas mensalmente impedidas de ingressar naquele país. Ontem (quarta-feira passada) o ministro espanhol me telefonou propondo um encontro e a criação de uma comissão de alto nível para tratar do tema.
Existe uma preocupação do País com relação à prostituição de brasileiros e brasileiras em países como a Espanha?
Mas o Itamaraty não é a Interpol. O que podemos fazer é um trabalho de apoio a esses brasileiros, que podem inclusive estar sendo aliciados.
O que representa a visita da secretária de Estado Condoleezza Rice ao Brasil essa semana?
A continuidade de um processo de diálogo muito intenso que tem havido entre Brasil e Estados Unidos. Houve duas visitas do presidente Lula aos EUA, duas visitas do presidente Bush ao Brasil. Tenho conversado com a secretária de Estado com uma freqüência muito grande. É um diálogo aberto, sobre temas variados. Houve uma matéria de jornal dizendo que ela viria para pressionar o Brasil com relação às Farc. Isso não tem cabimento nenhum porque não teria adiantado nada: sobre isso, nossa posição e a maneira como lidamos com os problemas são muito claras. Trocamos idéias sobre a América Latina, sim, mas também sobre o Oriente Médio, onde eu e ela estivemos recentemente. Falamos também sobre biocombustíveis. Nesse ponto, os dois países têm interesses que não são idênticos mas parecidos. Apenas defendemos que o etanol da cana de açúcar é mais eficiente. Muitas pessoas nos Estados Unidos concordam com a gente. Depois das eleições americanas, talvez isso possa avançar mais.
Condoleezza Rice justificou “ações militares preventivas” em zonas fronteiriças para combater o tráfico e a guerrilha. Ou seja, justificou a ação colombiana na recente crise envolvendo o Equador. Como vê a posição da secretária de Estado?
Os países devem cooperar ao máximo para combater ações de grupos ilegais. Mas o Brasil não está de acordo com uma doutrina de ataque preventivo.
A visita de Condoleezza é uma tentativa de reforçar a liderança do Brasil na região?
Não estamos preocupados com isso. Na prática, o Brasil sempre tem tido papel importante em várias questões. Isso não é exclusivo do País e nem queremos que seja. Um exemplo: o presidente Lula tomou iniciativas com relação à África e aos países árabes. No caso dos primeiros, poderíamos ter trabalhado para reuniões de cúpula específicas Brasil-África. Muitos africanos nos falaram isso. Mas preferimos que seja América do Sul-África, porque sabemos que a unidade da América do Sul nos fortalece a todos, inclusive o Brasil. Agora, é claro que somos um país grande - a sexta economia do mundo segundo critérios da PPP (paridade de poder de compra, na sigla em inglês, escala usada pelo Banco Mundial) - e temos uma política externa de tradição. Isso ajuda a formar uma posição respeitada na região e também fora dela.
Como o senhor avalia os resultados da política sul-sul do governo Lula?
Pegue um economista como Albert Fishlow (da Columbia University). Em entrevista recente, ele disse que o desenvolvimentos dessas relações sul-sul é uma das razões pelas quais o Brasil encontra-se menos vulnerável aos problemas na economia americana. Fishlow sempre defendeu a Alca, no lugar de nossas iniciativas como a relação especial com a China, a África, os países árabes e sobretudo com a própria América do Sul. Quando ele fala agora sobre o Brasil e a crise americana, não há a menor dúvida de que optamos pelo caminho certo. Ao criarmos o G-20, acabamos por extrapolar o âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Isso nos valeu uma credibilidade enorme com os países em desenvolvimento, que acaba enfim se refletindo no clima dos negócios. Entre 2003 e 2007, num contexto em que as relações comerciais do Brasil cresceram como nunca, a participação dos países em desenvolvimento no montante de nossas exportações, que era de 45%, trocou de posição com a dos países desenvolvidos, que correspondia a 55%. Hoje é exatamente o contrário, o que nos deu um colchão para enfrentar a crise. A maioria dos economistas está dizendo agora que a esperança de crescimento do mundo reside nos países emergentes. E veja que não são economistas de esquerda, não são os alternativos. Nós tivemos a intuição - ou a percepção - disso antes das coisas acontecerem.
Na sexta-feira, o jornal inglês ‘The Guardian’ publicou um suplemento de 20 páginas sobre o Brasil e, nele, chama Lula de “herói acidental”. Diz que o presidente parece ser um “sortudo”. Na avaliação do senhor, Lula é sortudo ou competente?
Como dizia o famoso jogador de xadrez Petrossian, a sorte está do lado dos bons.
A política sul-sul permanece depois do governo Lula?
Tenho certeza. Os críticos da política externa brasileira - não citarei nomes porque os considero meus amigos e um dia tomaremos um cafezinho juntos de novo - eles próprios dizem: “A política com a África está certa, com os países árabes também, com a América do Sul”.
Que papel o Brasil deve desenvolver na transição de Cuba?
A transição de Cuba, termo que você está usando, é um assunto dos cubanos. O que fazemos é estimular o que nos parece razoável. Acabei de vir do Vietnã, onde as reformas estão acontecendo paulatinamente. Se houver em relação a Cuba uma atitude pragmática da comunidade internacional, como há com o Vietnã, isso vai ajudar para que a evolução se dê naturalmente - de acordo com os interesses do povo cubano e respeitadas as conquistas sociais que tiveram e que são indiscutíveis. Prefiro falar em evolução do que em transição. Um ponto a que não se deu muita atenção é o fato de Cuba ter acabado de aderir às convenções das Nações Unidas sobre direitos civis e políticos, que era uma cobrança antiga. Isso demonstra que há uma evolução.
O Brasil pode ser um interlocutor importante entre Cuba e os Estados Unidos?
Acho que essa interlocução será direta. O povo cubano é muito orgulhoso de suas conquistas, e com razão.
O senhor tratou desse assunto com Condoleezza Rice?
Temos os nossos segredinhos. ..
Um assunto que fez parte do encontro com a secretária de Estado foi a reforma da ONU. O tema, no entanto, parece ter dado lugar a outras preocupações da política externa brasileira. O senhor julga equivocado aquele momento de obstinação do Brasil por uma vaga no Conselho de Segurança?
O Brasil e a torcida do Flamengo acham que a ONU deve ser reformada. Ela não pode ter hoje a mesma estrutura de 1945 - sobretudo seu órgão mais poderoso, que é o Conselho de Segurança. Isso não tem cabimento. A obstinação de reformar a ONU, se quiser falar assim, continua. Não é que o Brasil quer uma cadeira como se fosse ganhar a Copa do Mundo. Agora, quais são os países que podem contribuir para um Conselho de Segurança mais equilibrado? Quem são aqueles que melhor refletem as mudanças do mundo? Qualquer governo no Brasil que se afastar dessa questão, rapidamente voltará a ela. Não quero fazer julgamento sobre governos anteriores, até porque fui embaixador na ONU durante o período FHC. Na ocasião, trabalhamos muito com esse objetivo e jamais recebi instruções de Brasília para que fosse diferente. Agora estamos numa fase de negociações. Posso dizer uma coisa clara: não haverá membros permanentes da mesma forma como foram os da carta de 1945. Membro permanente com poder de veto, isso não será mais possível. A longo prazo, não teremos países-membros com poderes tão arbitrários como os de hoje. Não é mais possível deter essa evolução.
O que mudou em nossa política externa de FHC para cá?
Os princípios básicos são os mesmos. Mudaram as ênfases e as intensidades com que certos temas são tratados. Quando eu era embaixador na ONU, o Brasil sempre teve proximidade com os africanos. Não se pode dizer, portanto, que a boa relação com a África é uma invenção do governo atual. Agora, vá comparar a intensidade dessa relação antes e depois. Os países árabes eram antes uma coisa distante. Agora somos convidados para a Conferência de Annapolis sobre Oriente Médio. Não me consta que no passado isso ocorresse. No segundo dia do governo Lula, criou-se o foro Índia-Brasil-Á frica do Sul (Ibas). Não é coincidência que, à exceção daqueles diretamente envolvidos na problemática da região, os únicos três países convidados logo de início para Annapolis tenham sido justamente Índia, Brasil e África do Sul. Isso tem um impacto em toda a política internacional. Com excessão de um único ano, fomos chamados a participar de todas as reuniões do G-8. Essas mudanças são tão grandes que talvez se possa dizer que as únicas coisas que permaneceram iguais (ao governo FHC) foram os princípios.
O que o senhor considera uma marca da política internacional sob a gestão Lula?
Entre outros pontos, a multipolaridade. O Brasil tem trabalhado ativamente por ela. O grande diferencial é que deixamos de lado a velha dicotomia que habitava a cabeça das pessoas: melhoramos nossas articulações com a África, China, Índia - mas sem hostilizar os Estados Unidos e a União Européia, que tem tido conosco um diálogo muito privilegiado. Note que não foi o Brasil que propôs à UE a criação de uma parceria estratégica. A proposta partiu deles. Por outro lado, não preciso olhar para EUA e Europa para enxergar o Oriente Médio e a África. Claro que isso não aconteceu por causa deste governo. Não haveria como pensar no Ibas sem que tivéssemos uma democracia consolidada e uma economia estabilizada. Agora, a aposta nas novas oportunidades, sem preconceitos, isso o governo Lula ajudou muito a fazer. Quando ele, Lula, foi à Síria, à Líbia, a imprensa o criticou duramente. Dois meses depois, foi o Aznar (então primeiro-ministro da Espanha). Seis meses depois, o Tony Blair. Lula não tem de pedir licença. Papai, posso ir? Mamãe, posso ir? Se ficar perguntando demais, vai ouvir o seguinte: “Não vai não, deixa pra mim”. Tudo isso, no entanto, sem nenhum espiríto de confrontação. Eu fui diplomata durante o regime militar. Vejo hoje um diálogo muito mais fluido com os EUA do que em qualquer outro momento.
O que o senhor sonha fazer, ainda, em sua carreira?
Uma das coisas de que necessitamos é a renovação do Itamaraty. É preciso gente jovem. Não dá mais para você ser embaixador chegando no serviço ao meio-dia e abrindo os trabalhos lendo o Times. O mundo mudou. Temos hoje um programa de bolsa para afrodescendentes - que, sejamos justos, começou no governo anterior. Não é feito para ajudar o afrodescendente, mas o próprio Itamaraty. Quando vamos a conferências internacionais discutir racismo, mesmo que sejamos a segunda população negra do mundo, sempre nos perguntamos: mas onde é que estão os negros aqui entre nós? O Itamaraty tem de ser representativo da sociedade brasileira. Por isso temos de facilitar o acesso, sem no entanto perder a excelência. No passado, as provas para o Instituto Rio Branco perguntavam para que lado estava virado o bico do pelicano na edição princeps de Os Lusíadas. Você acha que isso ajuda a defender os interesses nacionais fora do País?
O Itamaraty não está hoje por demais politizado?
Isso não é verdade. No meu gabinete, nunca perguntei em quem as pessoas votaram. Se você for ver, muita gente do governo anterior está aqui hoje. E muito bem situada.
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