Drogas - o inimigo oculto
Como a dependência química acabou se tornando um problema de saúde corporativa difícil de detectar – mas capaz de gerar prejuízos bastante visíveis

por Marcos Graciani e Andreas Müller

“Injetava cocaína antes, durante e depois do trabalho. Eu era um zumbi. A cada final de expediente, eu me trancava no banheiro da firma e ficava quase uma hora lá.”

“A empresa tinha um bar e eu bebia 24 horas por dia. Tinha consciência de que eu podia fazer mais no emprego. Mas o meu potencial ia até o ponto em que eu recebia o primeiro não do dia. Daí eu ia para o bar da fábrica, bebia e voltava.”

“Se acabava a droga no trabalho, eu mandava buscar mais por motoboy. Bastava ligar. Quando chegava, eu saía da minha sala e ia pegar a cocaína.”


Os depoimentos acima são de dependentes químicos ouvidos por AMANHÃ e retratam um problema flagrante no mundo dos negócios: as empresas estão se tornando um local propício para o consumo e até mesmo para a compra de drogas. O velho dogma de que o vício não combina com o trabalho parece ter perdido a validade. Alcoólatras e usuários de maconha, cocaína e outros entorpecentes convivem hoje com funcionários sadios, e sem levantar qualquer suspeita. Embora com dificuldades peculiares, eles cumprem suas tarefas e tomam decisões importantes. Muitos conseguem até evoluir na carreira, o que só torna mais difícil o diagnóstico e o eventual tratamento – afinal, quem vai suspeitar de uma pessoa aparentemente bem-sucedida? Embora oculto, o flagelo das drogas já começa a gerar prejuízos concretos para as empresas, de acidentes no trabalho à perda de rendimento de profissionais talentosos. Dependendo do tamanho da organização, é possível até que pequenos traficantes estejam na folha de pagamentos.

O problema não é novo. As drogas sempre estiveram presentes em locais de convivência social como escolas, universidades e clubes. Mas há sinais de que estão se tornando um autêntico problema de saúde corporativa. Uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS) assegura que pelo menos 71% dos dependentes norte-americanos estão regularmente empregados. No Brasil, as estatísticas são desencontradas, mas os especialistas concordam que o índice tende a ser semelhante ao dos Estados Unidos. Segundo a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead), pelo menos metade dos viciados brasileiros tem um emprego fixo. “Ninguém escapa. Até na área religiosa há uma incidência elevada de alcoolismo”, exemplifica o professor Ovandir Alves Silva, diretor científico do Maxilab, um dos mais respeitados laboratórios de análises toxicológicas do país. Na indústria, estima-se que um em cada dez empregados é alcoólatra.

Falta supervisão – Diversos fatores explicam o surto de dependência no ambiente empresarial. Um deles, por incrível que pareça, é a crescente flexibilização das relações de trabalho. Cada vez mais profissionais desempenham suas funções sem qualquer horário determinado. Muitos sequer aparecem na empresa: ficam em casa mesmo, comunicando-se com chefes e subordinados apenas por e-mail ou telefone. Em resumo, uma situação bastante confortável para quem trabalha sob o efeito de psicotrópicos.

Em geral, funcionários sem supervisão têm mais chances de usar drogas e álcool durante o expediente. São eles que podem beber durante o dia sem chamar a atenção”, explica Raul Caetano, consultor da Organização Pan-Americana de Saúde, braço da OMS para a América Latina. É claro que a simples flexibilização do trabalho está longe de causar qualquer problema. Ao contrário, é até recomendada em casos de estresse. Mas as pessoas que têm predisposição à dependência química geralmente afundam ante a falta de horários, de cobranças e, principalmente, de limites.

Há também uma espécie de simbiose entre o vício e o trabalho. Primeiro, porque as drogas “ajudam” a enfrentar as durezas da rotina diária. “São conhecidos os casos de pessoas que buscam substâncias para reduzir a ansiedade, para se manter acordadas e para tentar melhorar o desempenho profissional”, lembra a psicóloga Ana Cristina Limongi França, especialista em qualidade de vida no trabalho pela Universidade de São Paulo. Além disso, ter um emprego é essencial para quem precisa bancar doses incessantes de cocaína e outras substâncias. No caso de Cláudio W., de Curitiba, o dinheiro para comprar bebidas vinha de negócios próprios – ele chegou a abrir uma marcenaria e uma loja no ramo odontológico. “Eu sempre busquei a auto-suficiência financeira para poder beber do jeito que eu queria, com o meu dinheiro. Quem tem o vício busca a independência a todo custo”, relata o comerciante, hoje abstêmio.

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