Um em cada quatro brasileiros bebe muito
Fonte: Folha de São Paulo/Cotidiano
27/05/07
Até que ponto existe relação entre o abuso da bebida e a publicidade? A resposta está em duas pesquisas inéditas
PELO MENOS 25% dos brasileiros consomem bebida exageradamente, segundo informa estudo, ainda inédito, patrocinado pela Senad (Secretaria Nacional Antidrogas). É a primeira pesquisa sobre consumo de álcool realizada por domicílio.
Esse dado ajuda a esclarecer por que ocorrem tantos acidentes, doenças e mortes associadas ao consumo de álcool. Fica, então, a pergunta: até que ponto existe relação entre o abuso da bebida e a publicidade? A resposta a essa questão está em mais duas pesquisas também inéditas.
Selecionado pela Universidade Federal de São Paulo, um grupo de 282 adolescentes foi submetido à observação de diferentes propagandas de cerveja. Os pesquisadores, comandados pela psiquiatra Ilana Pinsky, estavam interessados em saber como aquelas mensagens eram percebidas. Nenhum dos entrevistados sabia o verdadeiro propósito da experiência. De posse das respostas, a psiquiatra Ilana Pinsky analisou quantas proibições contidas na auto-regulamentação feita, portanto, pelos próprios publicitários para os comerciais de cerveja seriam desrespeitadas. "Quase todas", afirma ela, ao analisar não apenas o que os adolescentes pensavam mas também o que sentiam, traduzindo a linguagem subliminar dos anúncios.
Uma das regras da auto-regulamentação é evitar o erotismo. Nem precisaria uma sessão pilotada por especialistas em saúde mental para desconfiar de que a atriz Juliana Paes, apresentada nos comerciais de cerveja como "a boa", não aparece como uma sóbria professora ensinando seus alunos em uma sala de aula. "A auto-regulamentação não funciona", opina Ilana. A propaganda, porém, funciona e muito bem. Em outra pesquisa, ela detectou que, em determinada parcela dos entrevistados, as imagens estimularam o consumo abusivo. "Quem já bebia sentiu-se estimulado a beber mais."
Tais resultados dão uma pista da complexidade da luta para reduzir os riscos associados ao álcool, e a genialidade publicitária é um dos ingredientes que contribuem para que essa seja uma das mais difíceis batalhas da saúde pública. A razão dessa dificuldade não são apenas as bilionárias verbas envolvidas na indústria da bebida, das quais nós, dos meios de comunicação, aliás, somos beneficiários, sem contar seu patrocínio a campanhas eleitorais. Muitas das batalhas pela saúde pública foram movidas por consensos ou enormes apoios populares. Assim se implantou o uso do cinto de segurança e disseminaram- se práticas como o aleitamento materno, o uso do sal de reidratração oral, da vacina Sabin e da camisinha, entre muitas outras. Mesmo o tabagismo é mais fácil de combater, porque já se difundiu a informação de sua relação com o câncer. O risco de alguém se viciar rapidamente é enorme.
O álcool é beneficiado por um misto de desinformação com aceitação cultural. Um belo exemplo de desinformação foi exibido pelo publicitário Roberto Justus, que, em entrevista à Folha, disse que as cervejas não oferecem perigo, mostrando desconhecer os mais elementares estudos sobre o alcoolismo. Duas latas de cerveja equivalem a uma dose de vodca. Um pai fica apavorado quando o filho fuma um cigarro de maconha, mas é compreensivo diante de um porre. Psicólogos e educadores sabem que as "baladas" estão cada vez mais perigosas. Liga-se a bebida ao prazer e à alegria mas também à saúde, o que não deixa de ser, pelo menos em parte, verdade. É comprovado que uma taça de vinho tinto é bom para o coração. Essas são mensagens conflitantes, que acabam por fomentar o consumo exagerado do álcool entre os 25% dos brasileiros que, segundo o estudo inédito da Senad, abusam da bebida.
Juntem-se os bilhões da indústria, a ignorância e a tolerância cultural: entendemos, assim, como, apenas em acidentes, morrem cem pessoas por dia. Isso sem contar os feridos.
Fonte: Folha de São Paulo/Cotidiano
27/05/07
Até que ponto existe relação entre o abuso da bebida e a publicidade? A resposta está em duas pesquisas inéditas
PELO MENOS 25% dos brasileiros consomem bebida exageradamente, segundo informa estudo, ainda inédito, patrocinado pela Senad (Secretaria Nacional Antidrogas). É a primeira pesquisa sobre consumo de álcool realizada por domicílio.
Esse dado ajuda a esclarecer por que ocorrem tantos acidentes, doenças e mortes associadas ao consumo de álcool. Fica, então, a pergunta: até que ponto existe relação entre o abuso da bebida e a publicidade? A resposta a essa questão está em mais duas pesquisas também inéditas.
Selecionado pela Universidade Federal de São Paulo, um grupo de 282 adolescentes foi submetido à observação de diferentes propagandas de cerveja. Os pesquisadores, comandados pela psiquiatra Ilana Pinsky, estavam interessados em saber como aquelas mensagens eram percebidas. Nenhum dos entrevistados sabia o verdadeiro propósito da experiência. De posse das respostas, a psiquiatra Ilana Pinsky analisou quantas proibições contidas na auto-regulamentação feita, portanto, pelos próprios publicitários para os comerciais de cerveja seriam desrespeitadas. "Quase todas", afirma ela, ao analisar não apenas o que os adolescentes pensavam mas também o que sentiam, traduzindo a linguagem subliminar dos anúncios.
Uma das regras da auto-regulamentação é evitar o erotismo. Nem precisaria uma sessão pilotada por especialistas em saúde mental para desconfiar de que a atriz Juliana Paes, apresentada nos comerciais de cerveja como "a boa", não aparece como uma sóbria professora ensinando seus alunos em uma sala de aula. "A auto-regulamentação não funciona", opina Ilana. A propaganda, porém, funciona e muito bem. Em outra pesquisa, ela detectou que, em determinada parcela dos entrevistados, as imagens estimularam o consumo abusivo. "Quem já bebia sentiu-se estimulado a beber mais."
Tais resultados dão uma pista da complexidade da luta para reduzir os riscos associados ao álcool, e a genialidade publicitária é um dos ingredientes que contribuem para que essa seja uma das mais difíceis batalhas da saúde pública. A razão dessa dificuldade não são apenas as bilionárias verbas envolvidas na indústria da bebida, das quais nós, dos meios de comunicação, aliás, somos beneficiários, sem contar seu patrocínio a campanhas eleitorais. Muitas das batalhas pela saúde pública foram movidas por consensos ou enormes apoios populares. Assim se implantou o uso do cinto de segurança e disseminaram- se práticas como o aleitamento materno, o uso do sal de reidratração oral, da vacina Sabin e da camisinha, entre muitas outras. Mesmo o tabagismo é mais fácil de combater, porque já se difundiu a informação de sua relação com o câncer. O risco de alguém se viciar rapidamente é enorme.
O álcool é beneficiado por um misto de desinformação com aceitação cultural. Um belo exemplo de desinformação foi exibido pelo publicitário Roberto Justus, que, em entrevista à Folha, disse que as cervejas não oferecem perigo, mostrando desconhecer os mais elementares estudos sobre o alcoolismo. Duas latas de cerveja equivalem a uma dose de vodca. Um pai fica apavorado quando o filho fuma um cigarro de maconha, mas é compreensivo diante de um porre. Psicólogos e educadores sabem que as "baladas" estão cada vez mais perigosas. Liga-se a bebida ao prazer e à alegria mas também à saúde, o que não deixa de ser, pelo menos em parte, verdade. É comprovado que uma taça de vinho tinto é bom para o coração. Essas são mensagens conflitantes, que acabam por fomentar o consumo exagerado do álcool entre os 25% dos brasileiros que, segundo o estudo inédito da Senad, abusam da bebida.
Juntem-se os bilhões da indústria, a ignorância e a tolerância cultural: entendemos, assim, como, apenas em acidentes, morrem cem pessoas por dia. Isso sem contar os feridos.
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