COMPLEXO DO ALEMÃO

Edmar Oliveira

Pelas cinco horas do sábado, vindos da balada da sexta, onde não "pegaram" ninguém, como se diz no dialeto da galera, quatro jovens "bem nascidos" na Barra da Tijuca, saltam do carro em que vinham, em alta velocidade, trafegando no vazio da existência, e, num ponto de ônibus, enchem de porradas a quem julgaram uma prostituta. Aliás, arrisco dizer que eles tinham certeza que era uma prostituta. A empregada doméstica deles deveria estar, nesta hora, num ponto de ônibus da baixada fluminense, não perto da casa deles. E pra quem trafegava àquela hora, suponhamos na real, não terminou a noitada "numa legal". Logo, a prostitua imaginada no ponto de ônibus, Freud explicaria na sua teoria sobre o estranhamento, podia ser a mãe, irmã, tia, ou qualquer parente na representação de cada um. O estranho como familiar na nossa vida. Não a doméstica que prepararia o café da manhã daquelas bestas.

Um palavrão bem grande, teria que grifar, seguido de uma exclamação, para afirmar que o filme "O Baixio das Bestas", do Cláudio Assis, foi localizado na Barra da Tijuca. E quatro bestas infligiram um suplício, que se propunha cinematográfico, numa cidadã carioca, cansada de ser alvitrada no Complexo do Alemão. E atenção para o mais novo diagnóstico psicológico corrente na cidade: "Complexo do Alemão - cidadão carioca, residente em comunidade carente, traumatizado por balas perdidas, que se acha completamente desamparado e é violentado, ora pelos, supostamente, traficantes, ora pelos, supostamente, policiais".

Diagnóstico que denuncia, em alguns territórios, a inexistência do Estado. Segundo Hobbes e Locke, o Estado se constitui para resolver a violência. Saúde, educação, direitos sociais, só muito mais tarde. Para o primeiro o "homem é lobo do homem" e o Estado aparece para organizar as matilhas. Para o segundo, a harmonia entre os homens pode ser perturbada pelos desviantes, daí o Estado mínimo. Hobbes prenuncia o absolutismo e o socialismo. Locke é o neoliberal recuperado.

Mas, voltemos a conceituação do diagnóstico proposto. Não é a vítima que pode ser diagnosticada, mas o algoz. A definição do nosso "Complexo do Alemão" estava equivocada. Tem mais a ver com a ética do que na vítima do conflito declarado. A sociedade pós-moderna sofre de uma epidemia do "Complexo do Alemão". E ele pode descambar em porradas que mataram Guadino e Aracelli em Brasília. Desta feita temos que nos haver com uma empregada doméstica que, esperando um ônibus, é assaltada por uns complexados alemães que deviam ser julgados pelo tribunal de Nuremberg. E se estes alemães forem filhos da falta da ética que mora na Barra, no Lago Sul, nos Jardins?

Fico imaginando se tudo tem que recomeçar novamente. E que devamos deixar Keynes e Marx dormirem nas páginas de suas obras, para gritar pelo debate de Hobbes e Locke nesta atualidade da falta de um Estado. De direito. De esquerdo. O masculino. O feminino, aqui, é perigoso, como são todas as mulheres...

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