Restrição de propaganda de Bebidas Alcoólicas / Cerveja: uma questão de Saúde Pública e de Responsabilidade Social.

Rio de Janeiro, 30 de abril de 2007.

Por: Dr. José Mauro Brás de Lima, PhD. Profº da Faculdade de Medicina - UFRJ Coordenador do CEPRAL - INDC/UFRJ
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O posicionamento da SindCerv sobre a recomendação da ANVISA e do Ministro da Saúde com respeito à restrição da propaganda de cerveja, conforme publicado na Coluna do Jornalista Jorge Bastos Moreno (O Globo de 21 de abril último), merece uma sincera e clara discussão por se tratar de questão das mais sérias no que tange às conseqüências e aos prejuízos relacionados ao uso/abuso de bebidas alcoólicas, qualquer que seja o teor alcoólico, cerveja: 5%, vinho: 12% e cachaça: 40%.

Alguns aspectos precisam ser colocados como premissas baseadas nos dados estatísticos e nas evidências constatadas através das notícias quase rotineiras que saem nos jornais e revistas semanais. São notícias sobre acidentes ou atropelamentos com vítimas fatais, geralmente envolvendo jovens e nos fins de semana, nos quais o uso de bebidas alcoólicas (cerveja e/ou destilados) está presente em torno de 80% . A perigosa relação Álcool-Direção já é uma constatação da própria OMS e de países como a França e os EUA, só para citar como exemplos, que investem em fortes programas de prevenção esta relação. Outro dado preocupante: aumentou em 10% o número de mortes nos acidentes de trânsito no Brasil no período de 2002 (32500) - 2005(35700).

Portanto, é inevitável considerar, neste momento, em nosso país, a forte tendência de alta da produção e do consumo de bebidas alcoólicas, sendo que a industria de cerveja dobrou sua produção de cerca de 4.8 bilhões de lts/ano, em 1995, para cerca de 10.0 bilhões lts/ano em 2005. Naturalmente, toda essa bebida foi consumida. Só a conhecida campanha do "experimenta, "fez aumentar a produção de determinada fabricante, de 1,7 bilhão de lts. para 2.2 bilhões. Imaginem, agora, que duas outras grandes fabricantes de cerveja estão entrando no mercado brasileiro (uma já está), disputando respectivas fatias? Obviamente, teremos incremento das bonitas e atraentes campanhas de publicidade e, como é de se esperar, aumento do consumo de novo.

Consideremos algumas outras questões de interesse prático.

Em primeiro lugar, é falsa a crença de que a cerveja é bebida leve por ter apenas 5% de teor alcoólico. Não é nada difícil chegar a esta conclusão, basta fazer umas continhas:

. Ao tomar uma lata de cerveja (350ml) com 5% de teor alcoólico, significa ingerir 17,5ml de volume de álcool, que corrigido pelo fator de densidade do álcool (0,8), representa 13 gr. de álcool puro; caso fosse uma tulipa de chope (300ml), seria 12g de álcool puro;

. Considerando o vinho com teor alcoólico entre 12 e 13%, consumido em taça de 150ml, a conta nos indica que ingerimos cerca de 18ml de álcool que corrigido por (0,8), chega a 14g de álcool puro;

. No caso da cachaça, por exemplo, com teor alcoólico de 40%, a dose padrão é de 40ml, o que representa 16ml de álcool por dose, que corrigido pelo fator densidade (0,8), representa 13g de álcool puro por dose.

Portanto, ao beber uma dose de cachaça ou uísque, uma taça de vinho, uma tulipa de chope ou uma lata de cerveja, estaremos consumindo cerca de 12 a 14g de álcool puro, ou seja, a mesma quantidade de álcool qualquer que seja o tipo de bebida alcoólica.

Assim, é fácil constatar que a cerveja não é bebida leve e provoca sobre o organismo, ou melhor, sobre o cérebro, o mesmo efeito que qualquer outro tipo de bebida alcoólica, considerando as respectivas diferenças devido à concentração. No entanto, não se pode desconsiderar aqui a quantidade de latinhas e garrafas de cerveja que, não raramente, os jovens consomem nas eventuais chopadas, nas "Universidades" ou nos "Sindicatos do Chopp", ou nas festinhas promovidas pelas "galeras". Como se sabe, a Cerveja predomina como sugere os comerciais amplamente difundidos pela mídia.

Dados recentes da SENAD (Secretaria Nacional Anti-Drogas) , de 2006, mostram que aumentou em 10% o número de dependentes de Álcool (alcoólatras) , isto é, milhões de pessoas doentes. Passou de 11,2 para 12,3% o índice de alcoolismo crônico de acordo com o II levantamento de uso de substâncias psicotrópicas no Brasil (CEBRID, 2006). E mais: foram, sobretudo, os segmentos de jovens e mulheres que mais contribuíram para tal. Sem dúvida que a maciça propaganda voltadas para os jovens, repercute diretamente no aumento do consumo das bebidas, principalmente da cerveja.

Estudando as repercussões do álcool sobre o cérebro há mais de 20 anos, não tenho dúvida de que a maciça propaganda veiculada em todos os intervalos comerciais da TV representa uma forte chamada (estímulo) para o "feliz momento" de "experimentar" uma "boa" que "desce redondo". O que é mais interessante, não de todo desconhecido, é que as crianças ao verem na TV, a todo instante, por milhares de vezes, desde a mais tenra idade, as alegres e bonitas propagandas de cerveja, com lindas moças e rapazes, sensuais e felizes, nas praias ou qualquer outro lugar, irão "gravando" nas suas mentes, ao longo dos anos (inconscientemente) , a cultura do consumo da cerveja associado ao prazer e à alegria. Daí, ao chegarem na adolescência ou à faixa do adulto jovem, estarão consumindo, nem sempre "com moderação", cerveja, vinho, cachaça ou os modernos "pop-drinks" , de modo quase natural junto com os amigos ou nas reuniões festivas.

Outro argumento: em paises desenvolvidos como os EUA e a França, por exemplo, a publicidade de bebidas alcoólicas é devidamente controlada. Será que eles estão atrasados? Ou são retrógrados?

Compreende-se naturalmente que o interesse de qualquer indústria é vender cada vez mais o seu produto (carros, alimentos, cosméticos, roupas, eletrodomésticos, bebidas, remédios, etc.). No entanto, compreende-se, também, a necessidade de controle pelo Estado e/ou pelas Organizações da Sociedade Civil, quando o consumo excessivo ou perigoso coloca em risco a Saúde e a Segurança do publico em geral. Como é sabido, a própria OMS reconhece que os danos e agravos do abuso de bebidas alcoólicas passaram a ser nos últimos anos uma questão de Saúde Publica e representam a terceira maior causa de morbidade e de mortalidade, considerando doenças crônicas e as causas externas (acidentes de trânsito e de trabalho, agressões contra crianças e contra mulheres, homicídios, etc.).

Os dados e os estudos sobre as considerações acima estão disponíveis a todos, basta procurar no "Google" ou outros endereços eletrônicos, ou em revistas semanais, ou reportagens sobre o assunto.

É óbvio que a questão é complexa e não se quer dizer que o abuso de álcool é a única causa. Seria ingênuo pensar desta maneira. Porém, o estimulo ou incentivo continuado ao consumo de álcool através de propaganda maciça está diretamente relacionado com os episódios perigosos e de risco aos quais os jovens estão submetidos.

Para finalizar, mais alguns dados:

. Acidentes de carro com vitimas fatais representam a principal causa de morte na faixa etária de 18 a 30 anos, sendo que mais de 70% estão relacionados com o uso nocivo de álcool. Segundo a OMS, morrem 1.2 milhão de pessoas por ano em acidentes nas estradas;

. Na França o número de mortes nos acidentes de carro caiu quase à metade (de 17000 para 9000 mortes/ano) nos anos 90 em decorrência do aumento do número de blitz nas estradas com bafômetros pela Polícia Rodoviária e punições mais severas aplicadas aos motoristas alcoolizados;

. Nos EUA, em Minessota, uma lei elevou a idade mínima para o consumo de álcool para 21 anos nos lugares públicos. Só esta medida fez cair o número de mortos nas estradas em 10% (quantas vidas foram poupadas só com esta simples medida?);

. O caso Diadema (SP), mostrou queda acentuada do índice de homicídios (47%) quando da instituição do fechamento de bares e botequins após as 23h. Outros fatores podem influenciar, contudo, a relação de causalidade é bastante pertinente no que se refere a influencia das bebidas alcoólicas não consumidas.

Não se trata, fique bem claro, de qualquer posição radical contra a cerveja ou qualquer outro tipo de bebida alcoólica, mas de um alerta sobre o problema do abuso de álcool, sobretudo pelos jovens que são as maiores vítimas.

Como medico e estudioso da questão do álcool e tendo que formar profissionais de saúde, ou ainda simplesmente como cidadão e pai de três jovens, não posso deixar de trazer essas reflexões como subsídios para uma discussão mais abrangente do problema do controle de propaganda das cervejas, que envolve a todos: ANVISA, Ministério da Saúde, Defesa do Consumidor, SENAD, Governos e a sociedade em geral.

É uma necessária e inadiável discussão que envolve e compromete todos nós. Experimentemos, numa boa.

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