Jovens e drogas: sociabilidades alternativas. Uma pesquisa antropológica
Este texto é um resumo de grande trabalho, executado com esmero e dedicação, de propriedade da empresa IMAGENS EDUCAÇAO - www.educ-imagens.com.br
A pesquisa etnográfica
Trata-se de uma pesquisa etnográfica e qualitativa, relativamente breve (apenas 3 meses, entre agosto e novembro de 2000), sobre repertórios dos jovens e suas representações socioculturais do universo das drogas ilícitas. Foi utilizada a metodologia de observação participante.
Foi feita uma investigação com adolescentes entre 12 e 21 anos, de diversos segmentos sociais na cidade de São Paulo, usuários de diferentes drogas, que não estavam em tratamento clínico. A maconha foi a mais pesquisada.
A pesquisa foi realizada em bares freqüentados por alunos classes A e B de um colégio particular e de um cursinho, na zona Oeste. Na sede de uma associação de bairro da favela Heliópolis. E em bares da Vila Madalena: lugar de confluência de diversos grupos e segmentos sociais.
Nossos objetivos foram fornecer subsídios para pesquisas futuras, e para projetos de políticas públicas, como campanhas de prevenção e de educação. Além de oferecer um contraponto às demais pesquisas realizadas e um novo olhar para o tema, sem ser um trabalho acadêmico.
Situação
Os relatos, por ocorrerem de forma espontânea e dialógica são fragmentados e entrecortados. Os jovens falam abertamente de suas experiências e rituais para o consumo das drogas. É a curiosidade, o prazer de saber como é, que abre a possibilidade para a experimentação e à iniciação ao uso de drogas.
Como em rituais de iniciação, a convivência desses jovens nos bares oferece a possibilidade de experenciar um sentido da vida em comum, de communitas, que subverte e põe em questão as regras do cotidiano. A experiência de communitas permite que as relações entre os indivíduos, que estão participando dos rituais, tornem-se, idealmente, horizontais e igualitárias, reforçando os laços sociais.
Os jovens transitam em duas formas de sociabilidade alternativas. O mundo da vida cotidiana, onde prevalecem as relações impessoais, a "diluição" das identidades individuais e subjetividades na multidão da metrópole. E o mundo das drogas, onde predominam outros códigos, valores e normas de conduta. Podemos compará-lo ao mundo do sonhos, da brincadeira, das festas, dos ritos e das experiências transcendentes.
Daí a transgressão freqüentemente estar associada ao 'mundo das drogas', que se opõe à vida cotidiana e à sua falta de sentido. "As drogas proporcionam prazer rapidamente. É fuga, liberdade. É ter forças para encarar a vida e um futuro sem sentido. Eu quis pagar para ver. (Vila Madalena)"
Circuitos e trajetos
Os bares são espaços que revelam núcleos de sociabilidade não ligados à família e ao cotidiano. São lugares onde se pode encontrar os amigos da mesma faixa etária, com os mesmos gostos, valores e práticas. Lá se bebe, consume drogas, namora, paquera, ouve música, dança...
Nesses espaços se articulam diversos signos e critérios: roupa, música, programas e espaços de lazer, expressões e gírias, modos e estilos de vida. A utilização de um tipo ou mais específicos de drogas se dá imbricada em um estilo de vida determinado. A droga sozinha não determina diretamente o pertencimento a um grupo e um estilo de vida. Longe de se reduzirem a comportamentos homogêneos e estanques, a sociabilidade jovem revela-se pela sua diversidade e dinâmica. A própria idéia de grupo é, muitas vezes, contestada pelos jovens.
Dentro dos circuitos, pode-se traçar diferentes trajetos que incluem a circulação individual ou de pequenos grupos fluidos em determinados territórios e a manipulação de uma série de símbolos e códigos comuns.
Trajetos passam desde os bailes da periferia e pelos bares em diversos bairros, mas especialmente a Vila Madalena. Basicamente, três tipos de músicas que são ouvidas e dançadas: forró, reagge e rock.
Classificação das drogas segundo os jovens
Os jovens classificam as drogas da seguinte maneira:
a) Álcool e cigarro também são drogas.
b) Há maior tolerância com os jovens ricos, o que revela uma consciência da hipocrisia da sociedade e a reprodução da injustiça social. " O negócio é o seguinte: se o carinha andar bem vestido, tiver um carro e usar qualquer tipo de droga, ele não vai ser taxado de nada. Se o cara mora na periferia e usa droga, já é um marginal." (Vila Madalena).
c) Maconha é erva, não é droga. Droga é pedra, cocaína.
d) Todo mundo usa maconha, já que dentro do circuito o uso é generalizado.
e) Jovens de classe média mencionam um certo "consentimento" dos pais em relação ao uso da maconha (mas não outras drogas).
Normas de conduta
a) Reciprocidade e partilha. A regra é dar, receber e retribuir.
b) Quanto maior a experiência, deve agir com maior 'naturalidade'. Aos inexperientes é permitida uma certa perda de controle.
c) Não interferir, julgar ou discriminar a conduta alheia.
d) Cada um deve ter consciência de seus próprios limites, não deixando misturar o mundo das drogas e o mundo do cotidiano."Eu acho que é assim: se você consegue se divertir usando ou não usando, tudo bem. Mas, se você só consegue se divertir usando algum tipo de droga, aí, já está mal."
e) Jovens das classes A e B não precisam dirigir-se para uma favela para comprar as drogas, seu acesso é dado nos lugares de lazer. Na favela, mesmo que o consumidor não esteja envolvido no tráfico, ele conhece alguém que está trabalhando nele.
Conclusões e indicações para campanhas educativas
As campanhas se destinam sobretudo aos não-usuários, amedrontando quem não usa para os riscos do vício e da morte. Elas ignoram toda a gama de usuários leves, eventuais e mesmo freqüentes, mas não viciados.
A pesquisa torna evidente a ‘positividade’ do uso de drogas para os jovens, ligada ao prazer, à satisfação dos desejos, à inserção em grupos. Enquanto as drogas são diretamente associadas ao mal. Um mal que o adolescente ignora, muitas vezes por se sentir seguro demais de si mesmo e de seus pares.
Campanhas publicitárias pontuais e de impacto precisam ser vinculadas de um processo educacional aberto e dialógico, para podermos contribuir para uma mudança real de comportamentos. Essa combinação poderá integrar programas mais amplos de educação participativa, ética, estética, voltada para valores em um movimento constante de debates e produção de informações e conhecimentos.
Fonte: http://www.adroga.casadia.org/news/Jovens_adictos.htm
Este texto é um resumo de grande trabalho, executado com esmero e dedicação, de propriedade da empresa IMAGENS EDUCAÇAO - www.educ-imagens.com.br
A pesquisa etnográfica
Trata-se de uma pesquisa etnográfica e qualitativa, relativamente breve (apenas 3 meses, entre agosto e novembro de 2000), sobre repertórios dos jovens e suas representações socioculturais do universo das drogas ilícitas. Foi utilizada a metodologia de observação participante.
Foi feita uma investigação com adolescentes entre 12 e 21 anos, de diversos segmentos sociais na cidade de São Paulo, usuários de diferentes drogas, que não estavam em tratamento clínico. A maconha foi a mais pesquisada.
A pesquisa foi realizada em bares freqüentados por alunos classes A e B de um colégio particular e de um cursinho, na zona Oeste. Na sede de uma associação de bairro da favela Heliópolis. E em bares da Vila Madalena: lugar de confluência de diversos grupos e segmentos sociais.
Nossos objetivos foram fornecer subsídios para pesquisas futuras, e para projetos de políticas públicas, como campanhas de prevenção e de educação. Além de oferecer um contraponto às demais pesquisas realizadas e um novo olhar para o tema, sem ser um trabalho acadêmico.
Situação
Os relatos, por ocorrerem de forma espontânea e dialógica são fragmentados e entrecortados. Os jovens falam abertamente de suas experiências e rituais para o consumo das drogas. É a curiosidade, o prazer de saber como é, que abre a possibilidade para a experimentação e à iniciação ao uso de drogas.
Como em rituais de iniciação, a convivência desses jovens nos bares oferece a possibilidade de experenciar um sentido da vida em comum, de communitas, que subverte e põe em questão as regras do cotidiano. A experiência de communitas permite que as relações entre os indivíduos, que estão participando dos rituais, tornem-se, idealmente, horizontais e igualitárias, reforçando os laços sociais.
Os jovens transitam em duas formas de sociabilidade alternativas. O mundo da vida cotidiana, onde prevalecem as relações impessoais, a "diluição" das identidades individuais e subjetividades na multidão da metrópole. E o mundo das drogas, onde predominam outros códigos, valores e normas de conduta. Podemos compará-lo ao mundo do sonhos, da brincadeira, das festas, dos ritos e das experiências transcendentes.
Daí a transgressão freqüentemente estar associada ao 'mundo das drogas', que se opõe à vida cotidiana e à sua falta de sentido. "As drogas proporcionam prazer rapidamente. É fuga, liberdade. É ter forças para encarar a vida e um futuro sem sentido. Eu quis pagar para ver. (Vila Madalena)"
Circuitos e trajetos
Os bares são espaços que revelam núcleos de sociabilidade não ligados à família e ao cotidiano. São lugares onde se pode encontrar os amigos da mesma faixa etária, com os mesmos gostos, valores e práticas. Lá se bebe, consume drogas, namora, paquera, ouve música, dança...
Nesses espaços se articulam diversos signos e critérios: roupa, música, programas e espaços de lazer, expressões e gírias, modos e estilos de vida. A utilização de um tipo ou mais específicos de drogas se dá imbricada em um estilo de vida determinado. A droga sozinha não determina diretamente o pertencimento a um grupo e um estilo de vida. Longe de se reduzirem a comportamentos homogêneos e estanques, a sociabilidade jovem revela-se pela sua diversidade e dinâmica. A própria idéia de grupo é, muitas vezes, contestada pelos jovens.
Dentro dos circuitos, pode-se traçar diferentes trajetos que incluem a circulação individual ou de pequenos grupos fluidos em determinados territórios e a manipulação de uma série de símbolos e códigos comuns.
Trajetos passam desde os bailes da periferia e pelos bares em diversos bairros, mas especialmente a Vila Madalena. Basicamente, três tipos de músicas que são ouvidas e dançadas: forró, reagge e rock.
Classificação das drogas segundo os jovens
Os jovens classificam as drogas da seguinte maneira:
a) Álcool e cigarro também são drogas.
b) Há maior tolerância com os jovens ricos, o que revela uma consciência da hipocrisia da sociedade e a reprodução da injustiça social. " O negócio é o seguinte: se o carinha andar bem vestido, tiver um carro e usar qualquer tipo de droga, ele não vai ser taxado de nada. Se o cara mora na periferia e usa droga, já é um marginal." (Vila Madalena).
c) Maconha é erva, não é droga. Droga é pedra, cocaína.
d) Todo mundo usa maconha, já que dentro do circuito o uso é generalizado.
e) Jovens de classe média mencionam um certo "consentimento" dos pais em relação ao uso da maconha (mas não outras drogas).
Normas de conduta
a) Reciprocidade e partilha. A regra é dar, receber e retribuir.
b) Quanto maior a experiência, deve agir com maior 'naturalidade'. Aos inexperientes é permitida uma certa perda de controle.
c) Não interferir, julgar ou discriminar a conduta alheia.
d) Cada um deve ter consciência de seus próprios limites, não deixando misturar o mundo das drogas e o mundo do cotidiano."Eu acho que é assim: se você consegue se divertir usando ou não usando, tudo bem. Mas, se você só consegue se divertir usando algum tipo de droga, aí, já está mal."
e) Jovens das classes A e B não precisam dirigir-se para uma favela para comprar as drogas, seu acesso é dado nos lugares de lazer. Na favela, mesmo que o consumidor não esteja envolvido no tráfico, ele conhece alguém que está trabalhando nele.
Conclusões e indicações para campanhas educativas
As campanhas se destinam sobretudo aos não-usuários, amedrontando quem não usa para os riscos do vício e da morte. Elas ignoram toda a gama de usuários leves, eventuais e mesmo freqüentes, mas não viciados.
A pesquisa torna evidente a ‘positividade’ do uso de drogas para os jovens, ligada ao prazer, à satisfação dos desejos, à inserção em grupos. Enquanto as drogas são diretamente associadas ao mal. Um mal que o adolescente ignora, muitas vezes por se sentir seguro demais de si mesmo e de seus pares.
Campanhas publicitárias pontuais e de impacto precisam ser vinculadas de um processo educacional aberto e dialógico, para podermos contribuir para uma mudança real de comportamentos. Essa combinação poderá integrar programas mais amplos de educação participativa, ética, estética, voltada para valores em um movimento constante de debates e produção de informações e conhecimentos.
Fonte: http://www.adroga.casadia.org/news/Jovens_adictos.htm
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