Onda Marina é Amarela


Onda Marina é Amarela


Desde que as urnas foram abertas no último domingo (03/10) revelando um crescimento vertiginoso nas intenções de voto em Marina Silva, atingindo quase 20% dos votos válidos, muito tem se especulado sobre as causas e efeitos deste fenômeno eleitoral que muitos, equivocadamente, batizaram de “onda verde”.


Afirmo isso a partir de uma constatação óbvia: o Partido Verde sai dessas eleições 2010 do mesmo tamanho que entrou, ou seja, elegeu as mesmas 14 cadeiras de deputados que elegeu na eleição anterior, de modo que, mesmo com Marina Silva obtendo quase 20% dos votos, os verdes continuaram com uma representação abaixo de 3% no congresso.


Essa ainda baixa representação verde também é facilmente verificável quando avaliados os desempenhos dos diversos candidatos verdes aos governos estaduais que, na grande maioria dos casos, não passaram dos 2% dos votos, em suma, a tal onda que deu tamanha projeção à Marina Silva não foi, nem de longe, verde.


Então quais fenômenos levaram Marina a conquistar o voto de um em cada cinco brasileiros?


Certamente, o primeiro deles, ocorrido ainda no período pré-eleitoral, é a cristalização do nome de Marina como a candidata alternativa da vez, fenômeno que vem ocorrendo desde as eleições de 1994 (vide Garothinho, Ciro Gomes e Heloisa Helena) como resposta de parte do eleitorado (algo em torno de 10% à 15% do total) à tentativa de tucanos e petistas de estabelecer no país informalmente, um modelo de bipartidarismo à moda estadunidense (democratas e republicanos). A partir da identificação dessa faixa do eleitorado com a candidatura de Marina, ela automaticamente destacou-se dos demais candidatos alternativos, centralizando em si, o voto dos independentes, o que lhe permitiu partir, desde o início do processo, de um patamar na casa dos 10%.


Um segundo ponto à se ressaltar é o espaço de destaque que as mídias de massa reservaram à Marina desde o período pré-eleitoral como forma de dividir o eleitorado governista levando a eleição para o 2º turno. Conscientes da fragilidade eleitoral de seu candidato auto-ungido, José Serra, e seu projeto neoliberal frente a um governo altamente avaliado pela população que poderiam, num só golpe, não só dar um caráter plebisictário de referendo ao atual governo mas, principalmente, liquidar as trincheiras da oposição à frente de alguns governos importantes do sudeste e sul, como quase aconteceu nos estados de São Paulo, Paraná e Minas Gerais, o que configuraria um desastre para a elite brasileira.


Entretanto, esses dois pontos, apesar de relevantes, não foram capazes de, sozinhos, promover o crescimento de Marina à ponto de alçá-la além do voo de seus antecessores como Ciro Gomes.


Eis que, mais uma vez entra em cena as atrapalhadas do PT que, mesmo depois de 8 anos no poder, por vezes ainda se esquece que é governo e não toma os devidos cuidados que o mesmo exige.

Dos vazamentos ingênuos de dados da receita federal ao desmazelo em não averiguar a conduta e relações da pessoa que sucederia a ex-ministra Dilma à frente da Casa Civil, assim como o clima de revanchismo e vingança do presidente Lula antes da hora mostrando os dentes para rivais e para a imprensa, assim como a insistência na defesa de pontos polêmicos de seu programa de governo, o PT foi esvaindo-se dia a dia a partir de seus próprios tropeços, arrogância e inércia e ai sim, o gênio de Marina se fez transparecer.


Em uma eleição insossa, esvaziada de conteúdo, com os candidatos mais preocupados em apresentar suas biografias e currículuns para o eleitorado, como se o futuro já estivesse garantido bastando-se simplesmente decidir quem melhor gerenciaria a continuidade das conquistas do presente, sem ousadias e num ambiente de muita fofoca, Marina habilmente ocupou esse vácuo num discurso focado no futuro e nas utopias sem descuidar-se de uma imagem quase imaculada, de mulher sofrida, digna, religiosa, conservadora de princípios que andavam meio fora de moda como decência e ética, enfim, Marina na reta final foi o Silva que Lula estava esquecendo de ser.


Como Silva, Marina, na reta final, soube ser mais sensível e humana que os pragmáticos e robóticos Dilma e Serra, canalizando emoções que vinham sendo represadas num eleição refém de números e estatísticas, baseados numa idéia racionalista de que os ideais humanos numa sociedade capitalista se satisfazem à medida da realização material.


Aliás, foi justamente essa nova realidade material que permitiu que diversas pessoas que ascendessem sócio-economicamente quem propiciou que, uma vez atendidas as necessidades básicas, o cidadão comum pudesse novamente voltar suas atenções para necessidades de fóro íntimo, moral, ético e religioso, que foram cruciais para que, junto à uma enxurrada de denuncismos, escândalos, valores primordiais como o debate sobre o direito à vida se sobressaissem sobre as questões econômicas mais abrangentes.


Foi o voto dos amarelos, aqueles bons que costumam se silenciar como dizia Martim Luther King, aquele cidadão que é honesto e conservador, que tem vergonha de emitir opinião em público que acabou por desencadear esse processo que catapultou Marina na reta final de 10% para 20%.


Essa gente que viu-se retratada em Marina Silva, mulher mirrada e recatada, de fala mansa e firme, que não gosta de discussão, que não tem quase nunca oportunidade de ser ouvido e volta pra casa com um nó na garganta que resolveu dar voz à Marina.


Enfim a onda amarela cansou de quebrar na praia e resolver ser mar, Marina.



Franklin Maciel


Cientista Social e escritor

Comentários

De fato uma onda Amarela. Porém acredito que êxito da Marina nessas eleições advêm também das influências da Igreja Evangélica, hoje com mais 30% da população Brasileira...

O interessante é que participação dela ainda não terminou, temos que ver de que lado essa Onda vai ficar! O candidato que conseguir a maiorias dos votos dos eleitores dela, tem muitas chances de vencer. Será que a Marina vai apoiar a Dilma ou Serra?
Anónimo disse…
Adoro ler seus textos! Não em mero cunho conteudista, mas no arranjo que você usa para articular as frases, orações e períodos. Há muitas crônicas na mídia, mas poucas delas dignas de serem lidas prazerosamente.
Anónimo disse…
@bonjoviana Texto acima!