A Ambição que quis reinar sobre o Coração


A Ambição que quis reinar sobre o Coração

O rei cavalgava pelo bosque quando viu ao longe uma bela moça chorando copiosamente.
Apiedado, apeou de seu cavalo e foi ter com a jovem tão bela e triste para saber o que estava acontecendo.
Ao ver o rei, a moça fez-se ainda mais triste e ao ser questionada pelo rei do porque de sua tristeza, reclamou de sua situação. Disse ao rei que o mundo era injusto com as pessoas boas, que sempre fizera o bem e como recompensa lhe tiraram tudo, a ponto de passar fome.
O rei por ser um homem bom e justo apiedou-se da jovem e resolveu reparar a situação e assim, estendendo-lhe a mão, deu-lhe de comer e foi com ela conhecer sua casa.
Para espanto do rei, a moça morava numa boa casa no meio do bosque, e haviam três carroças da propriedade de sua família no quintal. Desconfiado, o rei perguntou-lhe porque não vendiam as carroças para saciar as necessidades, mas a jovem mantendo o mesmo rosto angélico e triste disse-lhe que se pudessem já o teriam feito mas as carroças estavam todas comprometidas em dívidas e por isso não podiam vendê-las e que aquilo ainda a fazia mais triste pois lembrava da fartura de tempos idos, enquanto seu estômago roncava de fome.

Como afeiçoou-se à moça, o rei fingiu acreditar em sua história e levou-a ao seu castelo, onde deu-lhe roupas, comida, educação e arranjou-lhe um posto de destaque no reino.
E a afeição do rei crescendo a cada dia pela jovem que, percebendo a influência cada vez maior sobre o coração do rei, começou a pressionar-lhe para que dela fizesse sua rainha.
O rei, apesar de muito amá-la e desejar romper as convenções e faze-la sua rainha, sempre tinha um pé atrás com a jovem, pois a mesma, sempre vinha, depois de um longo discurso sobre suas virtudes e bondades e da necessidade saciada, pedir mais e mais, como prova de afeição.
Pedia pra si, para a família, para os amigos, pedidos que o rei atendia na medida do possível, mas que aumentavam ainda mais sua desconfiança sobre a lealdade dos sentimentos da moça em relação ao seu coração.
Mas o pobre rei estava apaixonado e ela sabia bem disso e se fazia de vítima, de não amada e respeitada o tempo todo para que o rei se sentisse culpado e satisfizesse seus caprichos.

Eis que um dia, numa dessas guerras infindas, o rei sofreu uma derrota e sua coroa rolou pelo chão.
Voltou ao seu castelo cabisbaixo, triste e foi ao encontro da jovem que subitamente havia desaparecido.
E por todos os cantos do reino a procurou em vão, por fim, depois de tanta busca descobriu que a jovem unira-se aos seus inimigos em troca de promessas de fartura e mais pão.
Diante de profunda traição, o rei sofria, o que nutria os risos dos seus inimigos e principalmente de sua antiga paixão.
E assim a jovem fez-se arrogante, soberba, trocou a velha máscara sofrida usada no velho banco no bosque onde fingia fome para despertar compaixão, por sua verdadeira face, uma face lasciva, altiva, prepotente e a todos começou a mostrar os seus dentes.
Acreditando-se acima do bem e do mal, faltava aos compromissos, chegava sempre atrasada ao serviço, tripudiava dos outros, crente da proteção dos inimigos do rei, aos quais jurava que lhe seriam sempre gratos e generosos devido à sua traição.

Aos poucos, foi perdendo toda a admiração e respeito que conquistara, e, sem que desse por si, passou a ser odiada pois, seu belo rosto e voz inocente já não disfarçavam sua pobreza de alma.

Enquanto isso, o rei desolado, partiu para um exílio voluntário nas montanhas em busca de paz ao seu espírito, deixando a coroa e o reino à mercê dos inimigos, que junto à jovem, refestelaram-se em banquetes e orgias, custeadas com o sacrifício cada vez maior do povo que não via a hora do rei voltar e reconquistar sua coroa.

Mas o mal, sempre acredita que dura pra sempre, e como víboras que devoram tudo que encontram pela frente, foram acabando com toda a beleza do reino para custear seus prazeres hedonistas e sua fome insaciável de poder e assim, começaram a devorar uns aos outros e, para não ser também devorada, a jovem que não era boba nem nada, fugiu levando consigo toda fortuna que conseguiu amealhar.

Só não sabia a raposa, que a fortuna conquistada sem esforço nem mérito, escorre como água pelos vãos dos dedos, e logo, lá estava ela, bem próxima novamente da miséria, o que mais uma vez a colocou a arquitetar novos planos.
Mas os tempos de excessos foram tantos, que todos os seus encantos e armadilhas foram desaparecendo. A beleza de outrora, o corpo de violão, a voz melodiosa, foram todos embora, deixando em seu lugar um corpo de formas vulgares, uma voz ardida e desafinada e até as lágrimas forjadas, vinham carregadas de sal. Mesmo assim, não deu-se por vencida e caiu na vida à procura dum novo tolo que custeasse suas ambições.
Eis que nesse ínterim, o rei voltou e o povo todo em festa, reconduziu-o ao trono.

E pôs-se o rei a reconstruir o reino, trazendo consigo toda a experiência adquirida no exílio, e com muito amor, esmero e dedicação, recriou com cores novas e vivas seu reino, que rebatizou de Coração.

E eis que o bom Deus, apiedado do rei, fez-lhe conhecer uma bela rainha, que ao seu lado, com muita justiça, bondade e amor, ajudou-o a governar Coração.

Desesperada, sem ter pra onde ir, a jovem de então que atraiçoara o rei por um quinhão voltou e, fazendo-se arrependida, veio pedir-lhe perdão.
O rei, que era bom, mas não era tolo, ouviu a tudo, mas não fez a menor menção, o que deixou-a atarantada, pronta a dar-lhe o bote, mas a presença dos guardas, refreou-lhe as negras intenções e insistiu no perdão.

O rei então olhou nos olhos de sua rainha e neles viu o amor que tanto buscara pela vida e então entendeu, que se aquela criatura ali curvada à sua frente não tivesse lhe traído de forma tal vil, nunca teria encontrado o real amor que tanto procurara e então, num gesto de clemência, voltou-se para ela e disse:
Está perdoada!
E ordenou aos homens que lhe arranjassem, para si e seus irmãos, um boa acomodação fora dos limites do reino do Coração, o que deixou a mulher indignada, que saiu puxada pelos guardas proferindo ameaças e maldições.

E assim, o rei voltou para os braços de sua amada rainha e para os domínios do Coração, deixando de fora a Ambição, e seus irmãos, Logro, Astúcia e Ilusão.

Frank Maciel

In “ O Encantador de Histórias”

Comentários

Unknown disse…
Linda fábula. Um toque sutil na realidade.