Felicidade Interna Bruta, Butão um país onde a felicidade vem à frente da economia

País mais isolado do mundo, aonde a televisão só chegou em 1999, vira a lógica de ponta-cabeça: rasga dinheiro em nome do bem-estar social e institui um novo elemento na economia, a Felicidade Interna Bruta

Raquel Cozer

Você decide: prefere ser chefe de multinacional, com uma conta bancária que não sai dos 6 dígitos e vários carros na garagem, ou… ser feliz? Bom, perguntar isso para alguém é ingênuo. Um sujeito pode muito bem viver de sorriso estampado na cara sem nunca ter saído do cheque especial. Já se você faz uma pergunta equivalente não a uma pessoa, mas a um país, a história é outra. Do ponto de vista de uma nação – ou seja, do de quem administra uma – a idéia de que a felicidade vem antes da riqueza simplesmente não faz sentido. Quer dizer: não fazia.

Existe, sim, um lugar onde a idéia da busca pela "alegria do povo" é uma prioridade maior do que o crescimento econômico. Uma prioridade oficial, diga-se. Esse lugar é um país quase anônimo, pouco maior que o estado do Rio de Janeiro, aninhado nas montanhas do Himalaia. Bem- vindo ao reino do Butão.

Foi lá que, em 1972, um reizinho de 17 anos que acabava de assumir o trono cravou: "Ei, o Produto Interno Bruto não é mais importante que a ‘felicidade interna bruta’". Era Sua Majestade Jigme Singye Wangchuck, que, apesar de adolescente, não estava para brincadeira e pôs seus assessores para bolar uma política inédita no mundo, uma economia de cabeça pra baixo.

Ou muito pelo contrário: "O Butão devolve ao chão os pés da lógica ponta-cabeça do desenvolvimento", diz o economista alemão Johannes Hirata, da Universidade de Gallen, na Suíça, estudioso do papel da felicidade em políticas públicas. De trocadilho hippie, "felicidade interna bruta" virou um parâmetro de verdade, com direito a sigla (FIB) e tudo. "A filosofia da FIB é a convicção de que o objetivo da vida não pode ser limitado a produção e consumo seguidos de mais produção e mais consumo, de que as necessidades humanas são mais do que materiais", diz Thakur S. Powdyel, diretor do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Educacional da Universidade Real do Butão.

Para suprir essas "necessidades não materiais", o conceito da FIB prega 4 diretrizes: desenvolvimento econômico sustentável, preservação da cultura, conservação do meio ambiente e "boa governança". Não é nada diferente das coisas que você ouve nos horários políticos da vida, certo? Sim, mas no Butão o buraco é mais embaixo. Para o bem e para o mal.

Dinheiro? Tô fora

A Felicidade Interna Bruta não é uma lei escrita, mas um ideal que vem norteando as decisões do governo nos últimos 30 anos. Por exemplo: a exportação de madeira poderia encher os cofres públicos, mas, à luz da FIB, ficou estipulado que 60% do território permaneça coberto por florestas originais. De onde tirar dinheiro, então? De uma carta na manga, ou melhor, do Himalaia. "O Butão é favorecido por rios que nascem nas montanhas. A geração de energia hidrelétrica se tornou um poderoso engenho de crescimento econômico, e sem desalojar pessoas nem danificar o ambiente", diz Powdyel.

Ambiente que faz do Butão um dos países mais bonitos do mundo. Com rios de água cristalina, florestas coloridas e fauna com direito a tigres, elefantes, rinocerontes e pandas, o país é chamado de "último éden" ou "Shangri-lá da vida real", numa referência ao paraíso inventado pelo romancista inglês James Hilton em seu livro Horizonte Perdido (1933). Um paraíso que, como o Butão, fica no Himalaia.

Com tantas credenciais, o país poderia virar um dos maiores pólos turísticos do mundo. Mas não. O turismo é limitado para não prejudicar a cultura nem o meio ambiente. "Existe uma espécie de consumação mínima, que inclui hospedagem, alimentação, guia e transporte. Sai uns 300 dólares por dia", diz Paulo Lima, editor da revista Trip, que foi um dos poucos turistas que já ganharam autorização para visitar o país. Em 2005, foram 13 mil. Para comparar: Porto Seguro, na Bahia, recebeu cerca de 1 milhão.

Outra medida que feriu os cofres públicos em nome da FIB veio em 2004. Foi quando o Butão ganhou os jornais do mundo inteiro ao se tornar o primeiro país a banir o cigarro. Banir mesmo: a venda de tabaco virou crime. Tudo para "proteger as gerações presentes e futuras de seu efeito devastador". Está certo que daí nasceu um mercado negro, mas o governo acredita que, restringindo a oferta, ajuda as pessoas a parar de fumar. E, com isso, o país abriu mão de uma fonte de receita garantida. "Os cigarros fazem parte do setor de demanda inelástica, aquele em que a procura não cai com o aumento do preço. Se você tributa o tabaco, o preço aumenta, mas as pessoas não deixam de fumar", diz o economista Siegfried Bender, da USP. Ou seha, vender cigarro é um ótimo negócio. Mas, reza a FIB, o "bem-estar" vem antes do dinheiro.

E antes do poder até. É que o rei Jigme Singye, educado na Inglaterra, tomou uma decisão nada típica entre monarcas e ditadores: abriu mão do poder absoluto, delegando poderes executivos ao seu Conselho de Ministros. Mais: o parlamento butanês ganhou o direito de pedir a cabeça do rei – não no sentido literal – caso essa seja a vontade de pelo menos dois terços dos membros.

E agora ele está prestes a lançar uma Constituição no país, a primeira de sua história. Um esboço dela está pronto desde o ano passado. Mas, pela Felicidade Interna Bruta da nação, a Carta Magna só começa a valer se for aprovada num referendo popular, marcado para 2008. Até lá, Jigme quer que o povo leia o tal esboço e dê seus pitacos. O princípe herdeiro está incumbido de ir de província em província ouvir a opinião dos moradores. Por essas, o monarca é uma estrela. "O rei é adorado, o homem mais sábio e bonitão. Todos têm confiança absoluta de que tudo o que ele faz é pela felicidade do povo", diz o apresentador Zeca Camargo, que foi ao país em 2005.


Quanto vale a felicidade

Mas como saber se o monge a laser, e o resto da população, vai ser feliz mesmo? "Hoje o Butão está diante do maior desafio da política do FIB, que é medir a felicidade", afirmou recentemente outro jornal local, o Kuensel. Os 4 pilares da Felicidade Interna Bruta foram desmembrados em 9 áreas (veja o quadro lá em cima), num processo ainda embrionário, mas que pode revelar se a política está na direção certa.

O Centro de Estudos do Butão, organização ligada ao governo e responsável pela criação desses indicadores, usa estudos internacionais sobre bem-estar de populações como base. Parte dos indicadores vem de iniciativas como a do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), da ONU – no qual o Butão aparece em 134º lugar, na frente apenas dos vizinhos Nepal e Paquistão e de nações paupérrimas da África.

"O que o centro faz é adaptar índices para medir a felicidade geral que já existem em outros países, como Canadá e Reino Unido, para a realidade do Butão", diz o historiador Mark Mancall, da Universidade Stanford, que todo ano passa alguns meses trabalhando junto ao governo do reino himalaio.

Esses índices, por sinal, confirmam teoricamente a visão dos líderes butaneses. Os estudos da organização holandesa World Database of Happiness (banco de dados mundial da felicidade), por exemplo, dizem que, apesar de países ricos costumarem ter uma população mais feliz, isso não é regra. Tanto que a Colômbia fica à frente da Inglaterra e dos EUA, e junto à Suíça e à Dinamarca, entre os países mais contentes.

O Butão, inacessível que só ele, não entrou na pesquisa. Agora cabe ao futuro dizer se a política da Felicidade Interna Bruta, com suas contradições nada suaves, está ajudando o país a virar gente grande. Ou se está cada vez mais isolando o Butão no silêncio do Himalaia.

Nome oficiaL: Druk-yul.

Forma de governo: Monarquia "boa-praça", prestes a ganhar sua primeira Constituição.

Religiões: Budismo (oficial) e hinduísmo nepalês.

Idiomas: Dzongkha (oficial), mais dialetos tibetanos e nepaleses.

População: 2,2 milhões.

PIB: 2,9 bilhões de dólares (o do Brasil, de 1,5 trilhão de dólares, é 500 vezes maior).

Desafio: Descontar séculos de atraso sem perder o charme do isolamento.

QUE REI SOU EU?

Adorado pela população, o rei Jigme Singye Wangchuck, 51 anos de vida e 33 de majestade, leva uma vida simples: trabalha em uma cabana de madeira, enquanto seu palácio é usado por suas 4 mulheres – todas irmãs, o que lhe garantiu uma sogra só.

ESCRITO NAS ESTRELAS

A primeira Constituição butanesa deveria ter passado por um referendo popular no final de 2005. Mas não rolou. Os astrólogos do rei disseram que o zodíaco só mandaria bons fluidos ao país se o referendo ficasse para 2008.

BARRADOS NO BUTÃO

Tem que ser selado, registrado, avaliado e rotulado, se quiser voar. No Butão é assim mesmo. Para visitá-lo, só com uma das poucas autorizações do governo, em pacotes pré-pagos e pré-programados.

DEVAGAR…

1952

Abolição da escravatura, durante o reinado de Jigme Dorji, pai do rei atual e que começou a tirar o país do limbo.

1962

A primeira estrada asfaltada: ligando a capital, Thimphu, à Índia.

1973

O rádio chega ao país, com um programa semanal de meia hora.

1974

Estréia a moeda nacional, o ngultrum. Antes, os butaneses se viaravam com a rupia indiana.

…E SEMPRE

1998

Primeira transmissão de TV – telão na praça para ver a final da copa.

1999

Estréia o canal Bhutan Broadcasting Service (BBS), e os aparelhos de TV chegam às casas.

1999

Estréia a internet discada (sem tanto atraso assim).

2006

O governo negocia a implantação da internet de banda larga . Se tudo der certo, chega até o fim do ano – e os sites butaneses param de travar.

O Centro de Estudos do Butão, organização ligada ao governo, estipulou 9 áreas para medir a felicidade do povo. O Estado acredita que, ao transformar essas informações em números, possa melhorar a margem de acerto de suas decisões.

Padrão de vida

Faz parte dos critérios usados para medir o bem-estar social em qualquer país do mundo: indica a renda per capita e a qualidade dos bens e serviços disponíveis à população.

Boa governança

A idéia aqui é avaliar como a população enxerga o governo; ver se ele passa a imagem de que respeita características como transparência, responsabilidade, e se sabe prestar contas à sociedade.

Vitalidade da comunidade

O nível de confiança em quem mora na casa ao lado é essencial para a felicidade, acreditam os butaneses. Informações assim ajudam a construir um índice que mostre o grau de identidade entre os habitantes.

Uso e equilíbrio do tempo

O que está em jogo aqui é a possibilidade que cada um tem de escolher como aproveitar seus dias. Os indicadores devem mostrar o tempo que a população dedica ao trabalho, à família e à cultura.

Saúde da população

A relação entre saúde e bem-estar é auto-explicativa. O objetivo desse indicador é mostrar os resultados das políticas de saúde. Critérios como expectativa de vida também entram na conta.

Vitalidade e diversidade da cultura

Avalia a dedicação a crenças e costumes. Tem relação direta com a qualidade de vida e serve para dizer o quanto os habitantes se identificam com o lugar onde moram.

Vitalidade e diversidade do ecossistema

Medem a qualidade da água, do ar e do solo e a biodiversidade. Como a natureza foi generosa com o Butão, que tem de picos nevados a densos vales florestais, esse item não é problema.

Educação

O país acelerou o passo do ensino público como parte do projeto para reduzir seu isolamento cultural. Essa categoria, então, indica o ritmo de crescimento das taxas de alfabetização e do acesso às escolas e faculdades.

Bem-estar emocional

É o mais pessoal e profundo dos índices: tenta mostrar o grau de satisfação, de otimismo, que cada habitante tem em relação à sua própria vida.

www.bhutannewsonline.com - Site com detalhes da história e da economia butanesa

www.bhutanstudies.org.bt - Página do Centro de Estudos do Butão

www.grossinternationalhappiness.org - Site sobre a política da Felicidade Interna Bruta

Fonte: Super Abril – http://super.abril.uol.com.br

Comentários

Anónimo disse…
fiquei muito curioso e satisfeito que ainda existe um lugar feito este onde se pensa primeiro no ser humano envez do dinheiro como faço para ir trabalhar neste pais, meu emial e luispeueno@click21.com.br