O carvalho

O Carvalho
* Franklin Maciel

Era verão,
O Sol brindava à todos em seu socialismo sem discursos
A paixão estampava-se em rostos e bocas
E o pecado era invenção de velhos com medo de amar ;

Os jovens descansavam seus ímpetos
Sob a sombra do antigo Carvalho
Cúmplice de seus amores e sonhos juvenis
Ao lado, crianças brincavam de anjos
Em seu vai e vém gostoso que imita a vida
No velho balanço de cordas atado
Aos braços vigorosos da velha árvore
E a vida ia acontecendo nessa felicidade simples
Até que a tarde caísse lenta como uma pluma
Pra que a noite iniciasse sua jornada;

E lá estava ela, a noite, noiva cheia de mistérios.

Boiava em seus cabelos negros a meiga lua
Com seu fascínio inspirando as juras de jovens amantes
Bocas se encontravam arfantes enquando mãos e sentidos se perdiam
Acobertados pelo imponente Carvalho
Onde tatuaram pra sempre o seu amor adolescente,
Tendo o discreto testemunho da coruja
E uma sinfonia de amor Regida por insetos
que nenhum Bethoven ousou;

E assim passaram-se dias e luas
Tudo veloz, sagaz, apaixonante
Com a eternidade das coisas em seus instantes

Então veio o outono,
Com seu sopro frio e arrepiante,
De amante maduro
Desnudando, folha por folha
O velho carvalho, como dançarina do oriente
Que de véu em véu
Seduz e revela uma nova natureza surpreendente

As folhas acotoveladas pelo chão,
Formavam excêntrica colcha de retalhos
Onde paixão e razão se reconciliavam
Dando espaço para o amor maduro

Enfim o inverno chega,
O Carvalho nu, trêmulo, esquecido
É retrato deixado de lado
Paisagem retorcida que decora nossa pressa pra ir embora

E ali o carvalho chora a sua solidão

O frio intensifica,
Seu sopro rasga como navalha.
A vida se esconde sob cobertores;
E o Carvalho morre aos poucos de indiferença .

Crash !!!
De repente um golpe, vindo não sei donde,
Como infarte fulminante ou atropelamento
Apunhala o Carvalho dormente
Que acorda assutado...
Quer gritar, mas que adianta?
Sua voz não é ouvida por gente!
E mais um golpe, e outro e mais outro
Como um Deus egípcio do passado
O carvalho é feito em pedaços
Sem ter uma Ísis para lhe chorar ou remendá-lo

E assim o grande carvalho caiu por terra,
E seu estrondo soou como a despedida de um gigante

Seu corpo foi distribuído pelos lares
E como último ato de generosidade
Virou calor, chama acessa no fogão
E como alma que se desprende do corpo
Foi se despedindo diáfano
Em forma de fumaça de encontro ao céu

Onde vivia o esplendoroso Carvalho,
Agora há um toco que serve de banco ao descanso
Durante a caminhada
Último ato de uma vida gloriosa
Grandiosa o bastante para ficar na memória
Mesmo que ausente

O inverno foi embora,
Levando consigo, feito um Shiva,
Sua destruição que regenera

A Primavera, dentre as estações, a única criança
À tudo foi cobrindo de colorido, de flores
De Alegria, de vida à transbordar

Em tanta beleza, o Amor renasceu menino
Puxando pelas mãos delicadas a esperança

Sob o túmulo do Carvalho,
Pequenos ramos verdes germinam

É a Vida,
Que sempre recomeça, em qualquer hora
Dando seu recado de eternidade.

Franklin Maciel

in "Estórias que a Lua conta " Editora M&M

Comentários

Renato Trindade disse…
Bom dia amigo Franklin!

Cheguei aqui em seu blog através do diHITT. Parabéns pelo seu trabalho! Aqui senti boas energias amigos e edifiquei pensamentos em leitura. Lindo o texto!

É verdade... Assim é a vida... Nesse "ir" e "vir", somos um dia hominal, mineral, vegetal... Há tantas formas de viver não é amigo? O importante é reconhecer esse tempo que chamamos de vida. Reconhecer valores, abandonar lamentos e culpas. Agradecer a Deus pela a alegria de hoje e de um amanhecer. Seja esse nosso despertar em qualquer "tempo". É muito bom acordar para um novo dia. Ser o que somos e poder fazer tudo aquilo que nos foi concedido. Esses "momentos"...

Bom final de semana!
Luz! Forte abraço, Renato
Anónimo disse…
Obrigado por este poema. Lindo

Soraia