Dependência atinge 60 mil em São José


Dependência atinge 60 mil em São José


Jornal Valeparaibano 11/01/2009 (domingo)
Relatório divulgado pelo Comad foi encaminhado à prefeitura com sugestões de ações
A.P.J., 55 anos, está "limpo" há quatro anos, cinco meses e 14 dias. Conta nos dedos cada dia longe das drogas. Vive um dia de cada vez. Em 24 de julho deste ano, ele espera comemorar com a família, amigos e companheiros do NA (Narcóticos Anônimos) o aniversário de cinco anos longe da escravidão do vício.

"Vai ter até bolo", disse A., orgulhoso. Ex-funcionário de uma multinacional, ele é parte de uma estatística cruel.

O Comad (Conselho Municipal Antidrogas) de São José dos Campos estima que a cidade tenha cerca de 60 mil dependentes químicos, pessoas viciadas em drogas lícitas (álcool e cigarro, por exemplo) e ilícitas (cocaína, crack, maconha e outras).

O problema, entretanto, atinge um número maior de pessoas, com a chamada codependência. De acordo com especialistas no assunto, a família de um dependente químico torna-se codependente, adoece junto com o viciado.

Para o Comad, entre dependentes e codependentes, São José possui cerca de 180 mil pessoas, quase um terço da população de 609 mil habitantes.

A estimativa está contida em um relatório formulado pelo conselho e enviado à prefeitura e à Câmara esta semana, com um panorama do problema no município e sugestões para fortalecer o combate ao vício (leia texto nesta página).

"Se não forem tomadas medidas concretas, o número vai avançar ainda mais", disse o presidente do Comad, Josias Franklin Maciel, que destacou o aumento de consumo de drogas entre as mulheres.

"Os dependentes são aqueles em que a doença já está instalada. Muitos não sabem que precisam de tratamento, dizem que param quando quiserem. Há ainda as pessoas que fazem uso abusivo dessas substâncias mas não são dependentes. É um quarto da população.

"De acordo com o Comad, a droga mais usada é o álcool. O vício responde por 80% dos atendimentos em São José.

O conselho pede a criação de uma espécie de "Programa Saúde de Família" voltado para o combate do uso de drogas lícitas e ilícitas, formação de multiplicadores nas escolas e comunidades e a ocupação de locais públicos, impedindo que eles sejam dominados pela marginalidade.

A Prefeitura de São José informou que analisará o relatório do Comad.DRAMA - Das pessoas que procuram tratamento, 30% conseguem se recuperar.A. é um deles. Há quatro anos longe das drogas, hoje ele atua como terapeuta em casas de recuperação de dependentes químicos.

Dia após dia, ele assiste sua história se reproduzindo, em outros rostos."Muda a pessoa, o filme é sempre o mesmo. Comecei com o álcool e aos 25 anos era alcoólatra. Usei maconha e cocaína, até que usei crack. Esse é o fundo do poço. Em três meses você está degradado. Minha família estava quase desistindo de mim. Cheguei a ter uma overdose.

"M.A.L.F. conhece bem o que é a codependência. Seu irmão se iniciou no ilusório mundo das drogas logo aos 13 anos de idade, ainda criança. Cheirou cola, fumou maconha, cheirou cocaína e, por fim, chegou ao crack. Os pais consideravam, inicialmente, que o filho era "vagabundo" e quase o colocaram para fora de casa. M., a irmã, não deixou e decidiu lutar por ele.

"É como se tudo o que construiu fosse para o chão, você procura respostas e não acha. Ver o sofrimento de alguém que você ama é triste. Vai dormir achando que no outro dia ela pode estar morta", disse M.

Há cinco anos, ela procurou ajuda na pastoral da sobriedade e na entidade Amor Exigente, que presta auxílio à família de dependentes."Eles [pais] não aceitavam."O irmão passou um período "limpo", mas em 2008 teve uma recaída. Perdeu tudo que tinha. Voltou a procurar ajuda e foi internado.

"Hoje ele está bem, compõe e canta na igreja, faz coisas lindas", declarou a irmã.A família de M. vive um dia de cada vez, esperando que o pesadelo do vício, que consumiu seu irmão, seja agora uma velha e amarela fotografia do passado.

Comad quer ampliação de ações São José dos Campos

No relatório encaminhado à prefeitura, o Comad (Conselho Municipal Antidrogas) de São José avalia que é necessário ampliar a oferta e a pluralidade dos tratamentos oferecidos aos dependentes químicos do município.

De acordo com o conselho, seria necessária a criação de dois novos Caps/Ad (Centro de Apoio Psicossocial Álcool e Drogas), um para atender a região sul e outro para a zona leste de São José.Atualmente, a cidade possui um Caps/Ad que atende cerca de 350 pessoas.

Segundo o presidente do Comad, Josias Franklin Maciel, o Ministério da Saúde recomenda a instalação de uma unidade para cada 200 mil habitantes.

"A ampliação de serviços públicos de atendimento laboratorial como Caps/Ad e Saúde Mental, assim como o apoio e subvenção a outras formas de tratamento, grupos de mútua ajuda e comunidades terapêuticas e a implantação das ações do EPC (Estratégia de Prevenção pela Cidadania) são essenciais para o pleno êxito de uma ação permanente de combate ao uso indevido de drogas no município", diz trecho do relatório.

PREFEITURA - Por meio da assessoria de imprensa, a secretária de Defesa do Cidadão, Marina de Fátima de Oliveira, informou ter recebido o relatório na última quinta-feira e comunicou que irá analisá-lo antes de se pronunciar sobre o conteúdo e as medidas propostas pelo Comad.

Durante a campanha eleitoral de 2008, o então, candidato e agora prefeito re-eleito Eduardo Cury (PSDB) prometeu criar uma "Ação Permanente de Combate às Drogas e Álcool", com a formação de um centro de referência que comandará todas as ações integradas para sanar o problema.

O plano de governo também previa a criação de atividades esportivas e culturais para jovens durante a madrugada, tornando-se uma opção às drogas.


Índice de recuperação é de 30% São José dos Campos

Em média, de cada 100 dependentes químicos que iniciam tratamento para tentar se livrar do vício, 30 obtêm êxito, de acordo com estimativa do Caps/Ad (Centro de Apoio Psicossocial Álcool e Drogas) de São José dos Campos.Dos cerca de 350 pacientes atendidos pelo centro, 80% têm o álcool como vício.

"O índice de recuperação é realmente pequeno", afirmou Givaldo Daniel Nunes, agente da Pastoral da Sobriedade, presente em 23 paróquias da Diocese de São José.

"Cada dependente tem entre quatro ou cinco pessoas ao seu redor e essas pessoas tornam-se codependentes. A vida delas passa a girar em torno do dependente", disse Nunes.Pesquisa inédita feita pelo Comad (Conselho Municipal Anti-drogas) de São José dos Campos aponta que pelo menos um em cada 10 estudantes da cidade já usou algum tipo de droga ilícita. O consumo seria maior entre alunos de escolas particulares, que têm maior poder aquisitivo.Iniciado em 2006 e concluído em 2008, o estudo traçou um raio-x do uso de drogas lícitas e ilícitas pelos adolescentes.O resultado, segundo o Comad, é preocupante e revela um índice elevado de consumo de álcool (59,46%) e o acesso dos jovens ao crack, maconha e à cocaína.

Com base em 7.402 questionários respondidos por alunos da 7ª e 8ª séries do ensino fundamental e do 1º ao 3º ano do ensino médio, a pesquisa demonstrou que 10,36% dos adolescentes experimentaram maconha ao menos uma vez, o que equivale a 764 entrevistados.

SEGURANÇA - A Polícia Militar informou que nos últimos três anos aumentou em 17,5% o índice de apreensões de drogas na região e que anualmente forma 10 mil alunos no Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência) em São José.

Conselho formula políticas públicas

O Comad (Conselho Municipal Antidrogas) de São José dos Campos, criado em 2001, possui 18 conselheiros, sendo nove deles representantes da sociedade civil e nove do poder público. A missão do conselho, ligado à Secretaria de Defesa do Cidadão, é formular políticas para o combate ao avanço das drogas no município. Entre 2006 e 2008, o Comad realizou 512 palestras, atendendo cerca de 100 mil pessoas, distribuiu 10 mil guias de prevenção a pais e educadores e 100 mil panfletos com orientações contra o uso de álcool e cigarro, entre outras ações.

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