Sem meta, prazo e verba, é lançada a política antiálcool
Fonte: O Estado de São Paulo/Vida &
24/05/07

Após 4 anos, governo apresenta medidas legislativas, de educação, restrição da propaganda e assistência

Depois de quatro anos de discussão, a Política Nacional sobre Álcool foi lançada ontem no Palácio do Planalto. Criada para prevenir o abuso da bebida e garantir tratamento para pacientes, a estratégia é formada por 30 ações, divididas em quatro grandes blocos: legislação, educação, restrição da propaganda e assistência para dependentes. Embora abrangente, a política não faz referência à forma como tais ações serão conduzidas. Não traz metas, prazos, nem previsão de recursos necessários para sua execução.

Formalizada por um decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a política envolve ações de quatro ministérios: Cidades, Justiça, Saúde e Gabinete de Segurança Institucional.

O ministro das Cidades, Márcio Fortes, foi o único ontem a fazer referência ao problema de verbas. Durante o lançamento, ele afirmou que, apesar de a arrecadação com o Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT) e com o Fundo Nacional de Segurança e Educação no Trânsito terem alcançado R$ 1 bilhão, somente R$ 80 milhões estão disponíveis. "Seria extremamente importante que uma fatia maior dessa verba fosse liberada, para que pudéssemos usar não só em campanhas, mas também em sinalização."

Para o ministro, uma das formas mais efetivas de coibir a associação entre álcool e direção é fiscalização, radares e lombadas. "Bafômetros podem até ser usados com eficácia. Mas eles são pontuais."

Antes do anúncio, integrantes dos ministérios envolvidos já informavam que a política traria apenas "metas gerais". Numa segunda etapa, elas serão colocadas em prática por medidas das várias pastas. É o caso, por exemplo, da restrição da propaganda da bebida alcoólica. Ela será regulamentada por uma resolução. A medida, já aprovada pelo colegiado da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), deverá ser publicada nos próximos dias.

Mas há algumas ações que não se sabe ainda de que modo serão implementadas, como a proibição da venda de bebidas alcoólicas em estabelecimentos ao longo das rodovias federais. Assessores do Ministério das Cidades informam haver alguns problemas jurídicos na edição da lei, que podem, contudo, ser "contornados" .

"O importante é termos também convênios com municípios. Caso contrário, o motorista bebe no bar da cidade, antes de pegar a estrada", afirmou o ministro Fortes.

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, não quis falar sobre recursos. Embora uma das medidas mencionadas pela política seja o aumento da oferta de tratamento - o que exige investimento -, ele afirmou que a pasta não terá problema para executá-la. Uma promessa audaciosa. Pelas contas da equipe do ministério, o ideal é que mais 200 Centros de Atendimento Psicossocial sejam abertos no País. Hoje, há 450.

Ao analisar o decreto, a assessora regional sobre Abuso de Álcool e Drogas da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), Maristela Monteiro, sentiu falta de metas na política. "A gente fica sem saber quem vai executar o quê. Como isso será feito e, principalmente, qual é a meta de redução de dependência no País", avaliou. Para a especialista, algumas medidas têm potencial restrito de redução do consumo do álcool - como a oferta de água nos bares e o treinamento de garçons. "Sabemos que uma das coisas mais importantes é a fiscalização, o aumento do preço das bebidas." Ela reconhece, no entanto, que esse último item é bastante delicado para ser proposto agora. "É preciso começar de alguma forma. Elogio o governo pela iniciativa."

Patrocínio de eventos

Para Maristela, é preciso melhorar ainda as regras sobre propaganda. Ela considera indispensável a restrição do horário, mas afirma que a medida, sozinha, não basta. "Gostaria de saber se algo será feito sobre financiamento de eventos, como shows e eventos esportivos. Acho bastante difícil evitar que um jovem beba em um evento patrocinado por bebidas."

O ministro da Saúde enfatizou a necessidade de se ampliar a fiscalização, mas frisou também a importância da mudança de mentalidade. "Tão importante quanto a fiscalização é o grau de consciência da população sobre danos do álcool."

Mais uma vez, ele defendeu a adoção da restrição da propaganda da bebida - tanto no horário quanto no conteúdo dos anúncios. "É preciso não só evitar que crianças sejam expostas à publicidade, mas também verificar qual imagem da bebida a propaganda quer que seja fixada pela população."

As metas

Tratamento: Ampliar o acesso ao tratamento para dependentes de álcool nos serviços do Sistema Único de Saúde

Propaganda: Incentivar a regulamentação, monitoramento e fiscalização da publicidade

Divulgação: Apoiar campanha alertando sobre o risco da associação de álcool e trânsito

Venda: Incentivar medidas para acabar com consumação mínima e para regulamentar horário e local de funcionamento de bares

Orientação: Capacitar profissionais de segurança pública, de trânsito e professores para prevenir o abuso do álcool

Alternativas de lazer: Promover o acesso da população a alternativas culturais e de lazer para afastar jovens do álcool

Estradas: Preparar medidas para proibição de venda de bebidas alcoólicas nas rodovias federais

Água: Estimular o fornecimento gratuito de água potável em locais que vendem bebidas

Números
12,3% da população entre 12 e 65 anos apresenta risco para dependência de álcool

R$ 36,88 milhões foram gastos no SUS com tratamento de dependentes de álcool e drogas

20% dos motoristas dirigem com taxa de álcool no sangue superior ao permitido

R$ 1 milhão por ano é o que movimenta a indústria de cerveja no mercado publicitário.

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