Antes tarde do que nunca

Com mais de 9 bilhões de habitantes projetados para 2050, a expansão das fronteiras agropecuárias, fonte do alimento, derrubará a última árvore
Rubens A. Hering

Quase todo mundo já começa a se interessar pelo fenômeno do aquecimento global. É muito bom. Tarde é melhor do que nunca. Mas, vamos tentar ir ao cerne da questão. Os gases causadores do aquecimento global vem se acumulando na atmosfera por milhões de anos, desde que o planeta existe. Seus níveis certamente variaram para mais e para menos ao longo da existência planetária. O mar subiu e desceu. As geleiras se formaram, derreteram e tornaram a congelar. Espécies surgiram e se extinguiram. Mera evolução natural ou a mão de Deus, como se queira. Desta feita, porém, no século 21 da era cristã a comunidade científica conclui que o aquecimento inexorável e acelerado do planeta se dá como conseqüência da desleixada e irresponsável ação humana. Não é mais a evolução natural ou a mão de Deus agindo. Aliás, a natureza não reage de imediato contra as agressões humanas que sofre. A árvore tomba. O rio aceita a poluição. A atmosfera recebe e acumula CO2. Tudo passivamente, até que, um dia, a natureza se vinga. Pois esse dia chegou. Não mais falamos de próximos séculos ou em projeções futuristas no estilo Júlio Verne, revirado no túmulo diante do horror que lá de cima deve ver. É agora que a coisa está acontecendo. Nós e as gerações mais próximas de filhos e netos é que certamente iremos vivenciar essa amarga experiência. O que é incrível é que tudo foi causado num piscar de olhos em tempo geológico. A Revolução Industrial data do século XVIII. Ontem, portanto. A quase totalidade do excesso de emissão dos gases causadores do aquecimento pela atividade humana se dá a partir da segunda metade do século XX. Nosso tempo, portanto. Triste é constatar que a comunidade ambientalista já fazia esse prognóstico há 30 anos. Sem muita base científica admito, mas por ousadia, idealismo e amor à vida, características de todo ambientalista autêntico adepto da bicicleta em detrimento do automóvel. De nada, ou pouco, valeu. Não foram ouvidos – e o que poderia ter sido evitado não o foi. Pelo contrário, sempre taxados de “ecochatos” ou desdenhados por serem radicais e um entrave para o progresso. Bom seria se o mundo pudesse voltar no tempo e corrigir tamanho erro e injustiça. Agora é tarde. Os relatórios científicos da ONU recém-divulgados em Paris, apontam causas e problemas. Esperamos que em breve a mesma comunidade científica aponte também as soluções. Dentre o conjunto de soluções capazes de minimizar os efeitos da hecatombe, espero que não esqueçam do principal, ou seja, estimar qual é a população humana máxima ou ideal da nave Planeta Terra para que sua tripulação de viventes de todas as espécies possa ter garantida vida digna, abundante em alimento, com água limpa e ar puro. Isso só será possível a partir da contenção do crescimento da população humana, passo primeiro e pré-requisito para todos os demais a serem dados em outras frentes. Ou se contém o crescimento populacional ou tudo mais será utopia e mero blá, blá, blá romântico. Com 6,5 bilhões de humanos chegamos ao caos que hoje está aí. Com mais de 9 bilhões de habitantes projetados para 2050, a expansão das fronteiras agropecuárias, fonte do alimento, derrubará a última árvore. Nosso planeta desertificado deixará de ser a maravilhosa Gaia. É na dimensão quantitativa da população humana, ao mesmo tempo causadora e vítima dessa tragédia, que mais precisamos falar e não se falou ainda. E é preciso fazê-lo sem preconceitos e falsas moralidades. Debater de forma aberta sobre os meios éticos de incentivo ao controle da natalidade a serem implementados em escala global, enfatizando o acesso dos mais pobres à planificação familiar e contracepção. Caso contrário, só nos restará em breve sentir o golpe irremediável da espada do anjo do Apocalipse. Rubens A. Hering é economista e ouvidor do Partido Verde. hering@onda.com.br.

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